Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica a Lugar Nenhum

Pixar é uma empresa cujas obras povoaram o meu imaginário enquanto eu crescia: Procurando Nemo, Monstros S.A., Os Incríveis… Tão importante foi que, mesmo depois de adulta, suas produções me emocionam até os dias de hoje. Por essa razão, eu fico atenta a qualquer anúncio do estúdio, confiando em seu histórico de sucesso. Surpreendentemente, quando saíram os primeiros trailers de Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica, senti que o filme seria nada especial.

Juro que eu não queria estar certa, mas nem todos os nossos sonhos podem ser realidade.

Imagine o seguinte, meu caro leitor: um mundo povoado pelas criaturas do nosso imaginário fantástico, vibrando de magia para realizar coisas incríveis e impossíveis na nossa realidade. Pensou? Pronto. Agora deixe a magia como algo terciário, mantenha as criaturas, e abrace o ordinário. Esse é, essencialmente, o contexto dos irmãos Ian (Tom Holland) e Barley (Chris Pratt) Lightfoot, dois rapazes elfos diametralmente opostos em personalidade. Ian, o mais novo, é um capacho quieto, deixando as pessoas ao seu redor se aproveitarem dele. Barley, em contrapartida, é um inútil bonachão, que glorifica o passado e magia. No aniversário do caçula, eles recebem uma herança do seu falecido pai, um cajado mágico – que eles então usam para tentar trazer seu pai ao mundo dos vivos por 24 horas. Dando errado, eles correm contra o tempo em uma jornada para verem seu pai uma última vez.

Há muito tempo (no longíquo ano de 1949, para ser mais exata) o acadêmico estadunidense Joseph Campbell lançou uma das mais importantes teses sobre arquétipos e narrativas mitológicas com seu livro O Herói das Mil Faces. Nele, é estudada a figura do herói, as tribulações que ele passa, e o que é conquistado ao final da jornada. É um monomito que se perpetuou em múltiplas culturas e pode ser resumido a seguir, conforme está na introdução do livro:

“Um herói se arrisca a sair do seu dia-a-dia comum para uma região de maravilha sobrenatural: forças fabulosas estão lá para ser encontradas e uma vitória decisiva está a ser ganhada: o herói volta a partir desta misteriosa aventura com o poder de conceder bênçãos sobre seus companheiros.”

As ideias de Campbell são um marco para os estudos mitológicos e seus conceitos são estudados e inclusive implementados na narrativa audiovisual, como por exemplo a saga Star Wars. “Sim,” você interrompe, “Mas o que tudo isso tem a ver com o filme mais recente da Pixar?” Bem, O Herói das Mil Faces é tão amplamente difundido em histórias de Fantasia que eu fico surpresa que tenha sido empregado com tão pouca imaginação. 

Dois Irmãos consegue ser surpreendente em sua capacidade de ser mediano, como se sugasse toda a criatividade de uma sala e expelisse decepção. São arcos que não levam a lugar nenhum, resoluções que não se conectam com a premissa, e execuções previsíveis de arquétipos. Eu esqueci o nome dos protagonistas enquanto via o filme. Como é que nada esperei e ainda terminei insatisfeita?

Dois Irmãos é o tipo de filme que levanta muitas perguntas, mas elimina totalmente qualquer vontade minha de respondê-las. Geralmente, quando escrevo esta minha coluna semanal, eu busco entrevistas com os desenvolvedores para compreender o processo de fazer a obra estudada e como afetou o trabalho final. Entretanto, com esta animação, eu não me interesso em nada que o diretor Dan Scanlon tenha a dizer. Não há nenhuma contribuição positiva dele nem para a Pixar nem para o gênero da Fantasia como um todo e quão menos eu souber, melhor para mim.

Claro, tecnicamente o filme é bonito, mas é como um sanduíche do McDonald’s: elementos bonitos, mas um sabor esquecível. Assim sendo, para que escrever sobre Dois Irmãos diante de uma reação tão negativa? Talvez porque eu não queira ninguém cometendo o mesmo erro, mas provavelmente porque é divertido falar mal.

Talvez essa seja minha jornada heroica.

Se você ainda quiser assistir a esse filme, está disponível no serviço de streaming Amazon Prime.