Eu costumo pensar constantemente em escapismo. O consumo de produções de entretenimento fomenta isso: o que eu faria se estivesse numa dimensão com mágica? E se eu fosse super-heroína? E se eu convivesse com aliens? Ficção funciona dessa maneira, permitindo que o espectador experimente um pouco do universo alheio, fugir das intempéries do mundo real.
Às vezes é o próprio personagem quem pratica o escapismo, oferecendo uma meta-alternativa ao espectador. Um subterfúgio em uma situação nova pode às vezes ser a manobra milagrosa que ajuda o protagonista a fugir de uma realidade dolorosa. O gênero isekai se sustenta nisso. A premissa inteira de Infinity Train idem. O objeto de estudo de hoje, Olhos de Gato, também.
Miyo “Muge” Sasaki é uma jovem diferente: apaixonada pelo seu colega Kento Hinode (sim, eu também não fui capaz de levar a sério), ela demonstra seu afeto de maneira intensa, escandalosa – como se não ligasse para o que seus colegas possam pensar dela. Infelizmente, seu querido não liga para a atenção que ela oferece, sendo tímido e retraído. Muge, para se aproximar de sua paixão, portanto torna-se uma gatinha, Taro, o que funciona muito bem – até que dá errado.
Eu vi o trailer de Olhos de Gato alguns dias antes da sua estreia, mais cedo este ano, criando expectativa sobre um filme de romance bobo, longe do meu interesse usual. O que eu encontrei ao assistir, felizmente, foram nuances sobre a vida familiar, escapismo, e também teores de cultura furry. Descontente com seu ambiente familiar conturbado (com pais divorciados e uma madrasta com quem não consegue interagir), sua esperança são os pequenos momentos que consegue passar com o seu Kento. Como Taro, não há preocupações em sua casa, apenas o abraço caloroso do seu amado. Parece um equilíbrio certeiro, até quando as duas vidas da Muge se colidem e sua realidade felina não mais parece um porto seguro para suas inseguranças.
Olhos de Gato é o mais recente longa-metragem do Estúdio Colorido, distribuído pelo Netflix. Co-dirigido por Junichi Sato e Tomotaka Shibayama, o filme tem uma história carregada de significado e sentimento. Seu próprio título em japonês (Nakitai Watashi wa Neko o Kaburu) ilustra muito bem o próprio conflito narrativo, podendo ser traduzido para “Querendo Chorar, Eu Finjo Ser um Gato” – o que encapsula concisamente a essência do desejo de fuga da Muge.
Às vezes, quando a realidade se prova arrebatadora, ansiamos por escapulir de alguma maneira o problema ou mesmo a nossa existência. Muge foi um gato, mas escapar de si mesma só a levou de encontro à tudo aquilo que queria escapar, obrigando-a a algo que ela não estava pronta: fazer enfim sua escolha. O filme é muito feliz na elaboração de sua mensagem, mostrando-se clara, porém sem pieguices em sua maior parte. A animação é muito bonita e acompanha perfeitamente a ambientação. As interpretações são excelentes, cheias de sentimento genuíno. Eu só lamento que o final seja um pouco corrido, jogando todas as tramas juntas sem muita elegância, no entanto eu o imagino como competente. Sim, é bobinho às vezes, entretanto a experiência ao todo foi muito agradável. Acabei satisfeita.
Olhos de Gato é uma obra divertida e charmosa. Disposta de uma energia curiosa, desenrola a história da Muge com sensibilidade, oferecendo uma resposta para uma questão universal: “e se eu pudesse simplesmente jogar tudo para o ar como um animal?”.
Você pode assistir a Olhos de Gato pelo serviço de streaming da Netflix