Meus relacionamentos com filmes que envolvem as pistas de corrida nunca foram muito empolgantes, sempre achei que o caráter apelativo das situações improváveis que os pilotos eram obrigados a passar, bastante previsíveis. Era possível simplesmente sair da frente da tela, voltar quase no final do filme e não perder nada, mas com Ford v Ferrari a situação não é bem por aí. Sou obrigado a reconhecer que focar em um relato verídico permitiu que a produção ganhasse muitos pontos e levasse os filmes de corrida a outro patamar.
O mundo do automobilismo está repleto de relatos sobre situações pouco louváveis e bastante desonrosas envolvendo pilotos e fabricantes, isso não é exatamente incomum ao pensar no mundo dos negócios, uma vez que, situações assim acontecem o tempo todo e em todas as áreas do mercado, mas isso não quer dizer que não nos divertimos sempre que podemos escarafunchar situações que se tornam tão polêmicas.
O foco principal do filme não está nas corridas, e sim em uma disputa de poder envolvendo duas grandes fabricantes de automóveis do mundo: a americana e promissora Ford e a italiana, na época, orgulhosa e falida Ferrari. Envolvido em meio a esta briga de gigantes encontrava-se o promissor construtor de automóveis Carroll Shelby (Matt Damon) e seu amigo Ken Miles (Christian Bale), dono de um temperamento forte e um talento incrível para decifrar estas incríveis máquinas motorizadas, tanto como mecânico, quanto como piloto.
A companhia Ford estava vivendo um período em que suas vendas estavam sendo superadas pela Chevrolet, pois seus modelos não eram atraentes. Ao saber da situação financeira da Ferrari e do seu sucesso nas pistas de corrida, principalmente nas 24h de Le Mans, a Ford enxergou uma oportunidade de entrar no mercado europeu e aumentar seus lucros. Lee Lacocca (Jon Bernthal), da Ford, entra em contato com Enzo Ferrari (Remo Girone) e apresenta uma proposta na tentativa de comprar parte da companhia, mas as coisas não saem como esperado.
Enzo se sente insultado pela proposta e escorraça Lee e sua equipe; tempos depois ele fecha negócio com a Fiat e deixa Henry Ford II (Tracy Letts) muito irritado. Com uma ordem direta, Henry solicita a Lee que encontre uma forma de vencer a Ferrari em Le Mans, dando carta branca para que construísse o melhor carro para isso, nascia então a saga da Ford GT40 e toda a mística que envolve o superesportivo.
Lee procura Shelby, devido a sua boa reputação como construtor e Shelby procura Miles, pelo seu talento inegável. Miles, nem de longe, poderia ser considerado um amor de pessoa, seu temperamento explosivo lhe rendera o apelido de buldogue. Todas as decisões técnicas sobre o desenvolvimento do projeto são tomadas por Shelby, pelo menos deveriam ser, mas o caminho não estava tão livre quanto o prometido e decisões tomadas pelos executivos da empresa atrapalham o rendimento da equipe e rendem uma derrota humilhante para a escuderia Ferrari.
O projeto quase foi cancelado por Henri, mas Shelby o convence a prosseguir fazendo ainda mais exigências que antes, exigências essas, que incluíam utilizar Miles como o principal piloto. Miles fora cortado como piloto por conta de seu temperamento e aparência. Segundo Leo Beebe (Josh Lucas), diretor do programa automobilístico, Miles não tem a imagem certa que a empresa precisa, novamente tentando interferir, porém desta vez Shelby fica irredutível e mantém Miles como piloto, tudo isso acaba gerando um conflito pessoal entre os dois.
Miles era uma daquelas pessoas excepcionais, com um talento natural e uma personalidade marcante, um bom pai, um bom marido e, principalmente um bom amigo. São estas qualidades que fizeram Shelby nunca desistir dele. Como acontece com muitos, a vida não lhe foi justa, e devido a implicâncias pessoais ele acabou não recebendo todos os méritos que merecia. O Ford GT40 se tornou uma lenda, bateu recordes e foi campeão das 24 horas de Le Mans por quatro anos consecutivos, recebendo o título de “matador de ferraris” e destruindo a hegemonia da escuderia italiana, tudo isso graças a empenho da dupla Shelby e Miles.
Não é possível fazer uma descrição justa para este filme, a atuação de Bale é fenomenal e fica ainda mais rica com a sinergia demonstrada com Damon. O filme foi muito bem construído, não deixando de expor frases e situações que se tornaram icônicas, a transição leve de momentos de tensão colabora para que o filme não ganhe um caráter apelativo, deixando a história ainda mais cativante.