Existem histórias que passam pelas nossas vidas e, simplesmente, não deixam a gente seguir em frente sem antes termos um longo momento de reflexão. É esse o sentimento que A Casa, de Paco Roca, deixa quando finalizamos sua leitura.
Uma obra que fala primordialmente sobre o tempo que passa, sobre uma família que regressa a um velho imóvel, propriedade de seu pai que faleceu recentemente, para organizá-lo e colocá-lo à venda. Os três irmãos então retornam à casa em que passaram boa parte da infância, e, um a um, vão tendo recordações e lidando diretamente com cada sentimento e feridas emocionais trazidas pela sua perda. Sentimentos sobre o passado de cada personagem devem ser entendidos e sentidos por eles, e nós, os leitores, sentimos tudo junto.
Com uma narrativa extremamente leve e com gosto agridoce de saudade, acompanhamos toda a ideia de que o tempo corre (como nas lindas passagem quadro a quadro do HQ), acontecem pequenas coisas que nos marcam de forma positiva ou negativa, e de que simplesmente não podemos fazer nada com relação a esse fato. Por que afinal, um dia, o que vai restar, são lembranças do que já passou, e Paco Roca sabe trazer toda essa complexidade com maestria: sem dramas, sem sofrimentos, só aquele nózinho na garganta que nos faz refletir a cada virar de páginas.
Fernando Marías acertou em cheio em sua colocação na contra capa da obra “[…] E A Casa, que é um quadrinho que um garoto quis fazer para o seu pai falecido, é também o quadrinho que permitiu que Paco Roca desenhasse o tempo que passa, que passou ou que irá passar.”. Nesse momento, Fernando nos conta de onde vem esse sentimento que fica conosco quando finalizamos a obra: de uma experiência real, verdadeira e sincera que o autor precisou transformar em tinta e papel para conseguir se expressar.
No decorrer da história, vamos nos identificando com cada um dos personagens pelo simples fato de que é nato do ser humano sentir saudades, ou uma leve sensação de nostalgia. E essa sensação, pode ser explicada pelas várias passagens de tempo “vazias” que vemos durante toda a obra. Esses espaços podem ser incluídos no conceito de Ma (palavra japonesa para “um vazio com significado”), são espaços de tempo em que vemos folhas voando com uma leve brisa, galhos balançando com o vento, chuva, personagens apenas apreciando uma paisagem, ou pensando, etc. Você pode entender um pouco melhor sobre o conceito nesse vídeo do canal Entre Planos: Hayao Miyazaki: A Importancia do Vazio.
Por fim, entendemos que o tempo que passa não tem volta, decisões já foram tomadas, palavras já foram ditas e várias coisas poderiam ter sido feitas. Paco Roca parece querer nos dizer que, por mais que sejam momentos, ações ou situações banais, até mesmo cotidianas, lá na frente nós vamos olhar para trás, voltar ao passado e entender que deveríamos ter dado mais valor ao que foi pequeno. Àquela conversa que tivemos sobre qualquer bobagem do dia a dia, mas que dizia tanto sobre a outra pessoa, ou até mesmo aquela briga que tivemos, mas que terminou tudo bem, afinal, era só mais uma discussão breve.
Paco Roca nasceu em Valência, no ano de 1969, entre outras HQs ele publicou El faro, Rugas — pela qual recebeu o Prêmio Nacional del Cómic em 2008, os prêmios de Melhor Roteiro e Melhor Obra no Salão Internacional de Quadrinhos de Barcelona de 2008 e o Prêmio Goya de Melhor Roteiro de 2012, você pode saber mais sobre Rugar no texto de Helena Demarchi Rugas: A delicada história da HQ de Paco Rocas. A Casa será lançada no Brasil pela editora Devir em Março de 2021 e para quem, como eu, anseia por esse momento de reflexão em tempos líquidos, é uma rápida e deliciosa dose de sentimentos.