Crítica: Fronteiras do Universo, A Faca Sutil

Cá estamos novamente, as Lanternas de Tinta, e trazemos hoje para vocês mais uma coluna para a série – Uma Rápida Resenha, Uma Breve Crítica. Vamos aproveitar que a HBO ainda não lançou a série His Dark Materials, e continuaremos a falar sobre a trilogia Fronteiras do Universo. Desta vez é o livro 2, A Faca Sutil. Já vamos avisando que, ao ler o texto, pode receber spoilers do livro 1, A Bússola de Ouro.

O LIVRO UM: A BÚSSOLA DE OURO

Quando lemos o livro 1, algo aponta em nossa mente, algo leve, um parasita despercebido entra nela bem silencioso, um parasita conhecido como Philip Pullman. Inicialmente você o ignora. Pois o livro é bom. Lyra é uma personagem de fibra, e isso se prova quando ela deixa tudo, seu lar e tudo que conhece para salvar seu amigo Roger das mãos dos Papões e do Magisterium. Sendo que um é o outro e vice-versa. O menino é capturado pela mãe de Lyra, a senhora Coulter, a loba em pele de carneiro que, depois de se envolver com Lorde Asriel, deu a luz à menina. Que, em seguida, foi posta aos cuidados de braços alheios.

O urso de armadura Iorek Byrnison, Lyra e Pan
© Jenny Dolfen

E é assim que o manipulador começa a mostrar suas garras. Lyra é uma verdadeira heroína, os encantos da mãe, a astúcia do pai. Portanto nós acreditamos na bondade do seu coração e que, com a força que carrega, poderá vencer tanto sua mãe, quanto seu pai. Mas, no decorrer da história, nuances começam a deixar dúvidas nascerem. O que de fato quer Lorde Asriel? Quem é Lyra para as feiticeiras? Por que sua mãe está capturando crianças para a Igreja? Por que o autor nomeou os deamons (que representam a alma humana, mas fora do corpo, e se materializa em forma animal) com uma palavra que remete à palavra demônio? Porque a Igreja teme o Pó? Qual é a relação do medo do Pó com a captura das crianças?

*E AS RESPOSTAS VÃO APARECENDO

Mas, no livro 1, poucas dessas perguntas são respondidas. Lorde Asriel quer lutar contra a Autoridade. Assim conhecida no mundo de Lyra, mas em outros lugares é chamado de Deus. Para isso, captura das mãos da senhora Coulter o menino Roger. Necessário para gerar força o suficiente para abrir uma fenda para outros mundos. Ou seja, Roger morre por causa dos caprichos do asqueroso Asriel, que por fora pode ser Lorde, mas por dentro carrega podridão e enxofre de algo que vai além do desumano. A Igreja está, com uma máquina, literalmente cortando a ligação entre a pessoa e seu deamon, deixando-os em um estado entre vida e morte, criando, como resultado, mortos-vivos livres da influência do Pó, causador do Pecado Original.

O LIVRO DOIS: A FACA SUTIL

No livro 2, já instalado, o parasita começa a ficar mais desinibido, e aparece mais vezes, por outro lado ainda tem medo de ser descoberto. Pullman nos apresenta às novas criaturas: os espectros, os anjos e humanos em estado de inércia.

Um anjo conversando com Lyra, Pan, e Will em A Faca Sutil
© Felipebrs

A Autoridade começa a ser retratada como algo que deve ser combatido. Os anjos que aparecem são anjos caídos, ou seja, foram expulsos do Céu depois de guerrearem com seu Criador. E Pullman, mesmo assim, estranhamente começa a nos querer puxar para o lado deles. Justificando sorrateiramente que os atos de Asriel contra a vida foram necessários, e que os prejudicados já tinham cumprido seu papel. Ou seja, suas vidas já não valem, ou pior, foram manipulados pelos anjos apenas para servirem aos seus caprichos e poderem entrar em guerra novamente.

Vingança. Morte. Guerra. Tudo isso começa a ser apresentado como algo bom, algo que certamente precisa acontecer. E Lyra e, o novo personagem que divide os holofotes com ela, Will, estão, de alguma forma, no centro de tudo isso. Eles são essenciais para o que quer que Pullman reservou para o futuro das raças e dos mundos.

* WILL PARRY
Will Parry no centro da imagem, com outras figuras que fizeram parte da sua vida em A Faca Sutil em sua volta
© Night Wind

Will Parry também é um personagem heroico, do tipo mini príncipe encantado. É difícil não admirá-lo, sendo que  o drama de sua vida é quase shakespeariano e suas decisões podem firmar isso cada vez mais. Mas ainda não sabemos se realmente temos um herói dono do seu próprio destino ou se, como os outros, é apenas mais um que só nasceu para servir aos propósitos dos anjos caídos. Ao que tudo indica, Will e Lyra decidirão o desfecho da guerra que se aproxima. Segundo o que Philip nos dá entender, são eles que livrarão o mundo das cruéis e malvadas garras da Autoridade.

O PROPÓSITO DO PARASITA

Cuidado. Philip Pullman é um dos revoltados. Um filho que não teve colo. Militante e extremista, ele descarrega todo o ódio em sua obra, Fronteira do Universo. Um autor, quando escreve sua obra, coloca um pouco de si nela. Não quero dizer que livros sobre atrocidades originem-se de escritores psicopatas, mas que as intensões da obra, seja entreter ou metaforizar, estarão visíveis em intensidades diferentes de acordo com o sentimento do escritor. E têm muito ódio no coração de Pullman.

Ele fez direitinho, como um estrategista, frio e calculista, aprontando sua armadilha. Vai colocando no coração da vítima uma semente recheada com seus piores sentimentos e revoltas. E deixando, com sua narrativa incrivelmente parcial, a plantinha afundar suas raízes. Os que começam a duvidar de sua intensões desde o início, desenvolvem uma proteção contra suas influências. Mas não sei o que será do pobre coitado que aceitar as justificativas do autor para os atos de seus personagens contra a vida, relembrando: vingança, morte e guerra.

Autor de Fronteiras do Universo, A Faca Sutil (Philip Pullman)
© Nadav Kander for The New York Times

Raiva cega, sem maturidade ou coerência ou tolerância é o que movem as intensões desse mero homem. Que busca, desesperadamente, se fazer acreditar. A obsessão da vida de Pullman ao atacar constantemente àqueles a quem vê como inimigo é, acima de tudo, preocupante. Mas onde houver clareza, amor, respeito e perseverança, ali Philip Pullman não terá poder. É isso que ele quer, a destruição ao que odeia. Assim, pelo fato de como Asriel buscou o poder a altos custos, vemos nesse personagem a vontade obsessiva que existe em Pullman.

O autor colocou toda a vontade de ter a chance de aniquilar seu maior carrasco acima de qualquer coisa. E parece que está querendo realizar esse desejo através da literatura. Dando essa chance a um personagem fictício.

*FICA A DICA

Para mim, livros e histórias, deveriam carregar bons sentimentos, levar as pessoas a se tornarem cada vez melhor. Não é apenas entretenimento, as histórias têm poder. Se você as vê apenas como algo para matar o tempo, a obra pode até ser ideal para você. Mas se para você livros são instrumentos de alimento para a alma, se você os recebe em seu coração de forma especial, e busca a pureza na fantasia de trazer os bons sentimentos e sonhos inacreditavelmente maravilhosos, risque-o imediatamente da sua lista.

Mas se ficou curioso com o desfecho da história, é só esperar. Nós traremos, em breve, uma coluna sobre o terceiro e último livro: Fronteira do Universo, A Luneta Âmbar. Veja nossa crítica sobre o livro I clicando AQUI e, se gosta de literatura fantástica, leia nossa última coluna acessando AQUI.

Enceramos essa coluna, e convidamos você a deixar um comentário caso tenha ficado com alguma dúvida ou queira compartilhar algum pensamento. Além disso segue a gente no Instagram: @tropa_dos_lanternas_de_tinta. Boa semana, boa leitura e até a próxima.