Cyberpunks #01: O que o futuro nos reserva?

Quando você observa as estrelas acima do céu noturno, o que imagina? Antepassados nossos costumavam usá-las para orientar os seus caminhos a partir de suas constelações, sonhando com o destino. Hoje, nós nos indagamos sobre o que se encontra  nos inalcançáveis planetas, promessas das próximas gerações. De tanto olhar para além do que já possuímos, não é de se espantar o sucesso da ficção especulativa científica – questionadora das rotas ainda não trilhadas.

Dr. Stone propôs isso incorporando primitivismo. Detroit: Become Human ofereceu uma análise íntima dos limites do que poderia ser considerado humanidade. Watch Dogs é uma franquia interessada na experimentação entre interatividade e a influência regida pela tecnologia em nosso cotidiano. A obra aqui estudada hoje, mais especificamente o primeiro volume do quadrinho Cyberpunks, também ambiciona caminhar por essas postulações.

Claramente inspirado no movimento literário cyberpunk – centrado, em suma, na ideia de uma má qualidade de vida apesar dos avanços tecnológicos, a obra é o primeiro trabalho publicado pela editora Portal Entretenimento. Lançado em 2019, a produção é assinada por três nomes: roteirista, editor, letrista (além de dono da editora) Matheus Haubrich “M.H.” Iparraguirre; desenhista e co-arte-finalista Adriano Alves Macedo de Lima; por fim, co-arte-finalista e colorista Felipe Felix Freitas.

A equipe conforme creditada no material.

O ano é 2050: os governos mundiais se colapsaram em si, deixando o ambiente político dominado pelas grande corporações. No submundo da antiga Porto Alegre (atual Tecno-Porto), um grupo de revolucionários briga por aquilo que é justo: seu livre arbítrio e o direito de viver na superfície. É uma era de anarquia, horror, porém, reinando acima disso, está o poder da tecnologia.

Tenho uma confissão a fazer: particularmente, não sou fã de ficção científica. Não acho ruim, muito pelo contrário, tem um valor imensurável no meio dos gêneros narrativos. Apenas prefiro remoer o passado e digerir fantasia. Uma preferência só. Dito isso, ainda me joguei na chance de fazer uma crítica à obra que chegou na sede do NSV – Mundo Geek. Amo as iniciativas nacionais, há produções estupendas no cenário brasileiro, e eu ainda ganhei uma cópia do quadrinho de graça. Não é minha expertise, mas – hey! – novas vivências são bem-vindas.

Mesmo as não tão boas assim, entretanto eu estou me adiantando.

Cyberpunks é um produto profundamente influenciado por referências da cultura nerd pop. O traço de Adriano rememora o estilo dos quadrinhos de super-herói do início dos anos 2000, em especial o de Jim Lee quando ele assinou All Star Batman & Robin. A estética urbana em neon remonta as cidades futuristas dos anos 80 de obras como Blade Runner (uma das favoritas do colorista, aliás) ou O Vingador do Futuro. O diferencial, todavia, era um conteúdo tupiniquim, um cyberpunk para chamar de nosso – se possível fosse. Infelizmente, não acho que tenha se destacado o suficiente esse caráter brasileiro.

Talvez uma sombra da natureza gaúcha, no entanto. Suponho que seja presunçoso da minha parte, como leitora nordestina, esperar uma brasilidade similar à minha quando seu autor é de uma região tão distinta. Seus diálogos refletem um regionalismo forte. Sua escolha de uma alternativa Porto Alegre não foi acidental. Há uma dimensão no produto que eu não consigo apreciar em sua plenitude, admito. Contudo, entre tudo o que pude absorver, não imagino que eu particularmente queira continuar no próximo volume.

Sendo uma peça da nona arte, o quadrinho é uma mídia capaz de mesclar com maestria texto e imagem a fim de criar uma narrativa poderosa. Cyberpunks, acho, deixou lacunas nesse quesito: suas falas são deveras expositivas, não permitindo uma desenvoltura mais caprichada do aspecto visual, oferecendo portanto explicações para o roteiro quando a arte poderia ser mais elucidativa. Os personagens não são muito bem delineados e parecem ter a mesma voz em momentos da trama. Claro, essa foi a primeira edição, muitas revelações estão a caminho, sei disso.

Não obstante, aprecio profusa e profundamente a iniciativa de M.H. Iparraguirre. São claras a sua paixão pelo tema e a sua vontade de contar uma história na qual ele possa se sentir mais íntimo com o cenário e situações. Eu não pude apreciar devidamente as estrelas de Cyberpunks, mas talvez você, leitor, encontre sua trilha na futurista Tecno-Porto de 2050.