Os Jogos Olímpicos terão mais uma edição este ano, sob muita controvérsia. Não, não quero opinar sobre a duvidosa decisão em realizar os Jogos ou seus procedimentos de segurança. É hora de falar sobre esports.
Não sei se chegou a vocês, mas esse ano foi a primeira participação dos esportes eletrônicos nas Olimpíadas. Finalmente temos a primeira presença dos esports no maior evento esportivo do mundo, através da Série Olímpica Virtual (Virtual Olympics Séries). Mas por quê não estamos falando nisso, não é uma grande vitória? Vamos por etapas.
Os Jogos Olímpicos devem ser uma tradição imutável?
Tradição iniciada na era de ouro da Grécia Antiga, os franceses resgataram os Jogos Olímpicos no final da década de XIX. Antes de tudo, a primeira edição em 1896 não permitia a participação feminina, contava com um punhado de países (sem o Brasil) e apresentou apenas 9 modalidades: Atletismo, Ciclismo, Esgrima, Ginástica, Halterofilismo, Lutas (greco-romana), Natação, Tênis e Tiro. Além da arcaica postura quanto às mulheres, aposto que você notou que as favoritas do nosso presente ficavam de fora.
As Olimpíadas não podem ser uma instituição estática, pois unem o espírito esportivo e competitivo de um planeta inteiro. Deve acompanhar as sociedades, seu avanço e inovações. Claro, não quer dizer que devem incluir qualquer esporte, especialmente quando essa palavra pode trazer definições diferentes – até mesmo gerando preconceito sobre certas modalidades. Por exemplo, o Skating e o Surfe lutaram por anos até finalmente conquistar sua estreia como modalidade esportiva em 2020. Já o xadrez possui suas próprias Olimpíadas bienais.
O Comitê Olímpico segue uma regra para considerar um esporte como olímpico. Para o masculino, deve ser praticado por homens em 75 países e quatro continentes. Para as mulheres, deve estar em 40 países e três continentes. Porém, mesmo que atenda a esses requisitos, não é suficiente para colocar um desporto nos Jogos. O número de esportes não pode ser muito grande. Afinal, correria o risco da logística dificultar a organização da Olimpíada. Mas os esportes eletrônicos não precisam dar essa dor de cabeça.
Esportes eletrônicos nas Olimpíadas 2020?
A discussão sobre as competições digitais nas Olimpíadas começou quando o cenário de esports passou a encher estádios ao redor do mundo. Com a rápida evolução do cenário e a grande presença de marcas no nosso mercado, a “brincadeira” passou a ser levada a sério. Ao longo dessa discussão, responsáveis pelo Comitê Olímpico assumiram diferentes posturas. Em 2017, Thomas Bach (o presidente do Comitê Olímpico Internacional), afirmou nem mesmo saber se poderíamos considerar os games como esportes. Pontuou aspectos como falta de organização e valores olímpicos em algumas das modalidades digitais – especialmente as “violentas”.
Entretanto, nesse mesmo ano os Jogos Asiáticos anunciaram os esports como modalidades demonstrativas para 2018 e modalidades oficiais em 2022 (valendo medalha!). Isso foi o suficiente para ligar o alerta ocidental, mudando o discurso de Bach. Logo em 2018 o presidente do COI montou um fórum com membros da comunidade de eSports. Finalmente, em 2020 a Série Olímpica Virtual (Olympic Virtual Series) foi anunciada para a edição dos Jogos Olímpicos 2020. Momento histórico, esse foi o primeiro passo dos esportes eletrônicos no maior evento poliesportivo do mundo – nossa primeira edição virtual começou antes do evento principal e ainda está em andamento, com finais agendadas para agosto.
Então, chegamos aos Jogos Olímpicos e estamos quietos?
O grande problema é que os sinais positivos do Comitê Olímpico Internacional trouxeram muitas ressalvas. Primeiramente, a Olympic Virtual Series conta com 5 modalidades, todas simuladoras de esportes tradicionais: beisebol, ciclismo, remo, vela e esportes motorizados (através do Gran Turismo, o mais popular por aqui). Os simuladores dos tradicionais são os mais agradáveis aos olhos do Comitê, especialmente os que envolvem esforço físico, com o Zwift. Além disso, a proposta era ter os atletas competindo de casa ou de instalações de treinamento.
Perceba que nenhuma dessas categorias possui grande apelo com o nosso cenário gamer de forma global, um dos motivos para a falta de envolvimento com a “grande conquista”. Por outro lado, já houve um spoiler de que a FIFA gostaria de introduzir o futebol na próxima edição virtual dos Jogos Olímpicos, assim como a Federação Internacional de Basquete, a Federação Internacional de Tênis e a de Taekwondo Mundial com suas modalidades.
Há ainda mais uma grande barreira para o público: a aversão a “jogos violentos, de matar e que não celebrem a diversidade”, por sua falta de “valores olímpicos”. Essas definições podem variar por ponto de vista e deixam brecha para barrar as principais modalidades competitivas da atualidade, como CS:GO, Valorant, R6, Fortnite, Free Fire. Dependendo da opinião de quem define, até mesmo League of Legends e jogos de luta poderiam ficar de fora no cenário atual.
Experiência única ou vem mais pela frente?
Trabalhar com esports também pode ser delicado pois, diferentemente dos esportes tradicionais, os eletrônicos têm donos. Eles são fabricados e comandados por suas desenvolvedoras, empresas privadas, o que pode tornar a situação um tanto complicada. Comitês e federações dos esportes tradicionais estão intermediando a presença de suas versões eletrônicas. Mas e quando pensarmos em modalidades totalmente digitais? Deverão ser criados comitês neutros às desenvolvedoras ou estarão as empresas preparadas para esse cenário? A relação esporte/marca ainda é um oceano a desbravar.
No fim, não é um movimento tão fácil quanto parece. Ambos os lados precisam de mais preparação e muito diálogo. Também podemos fazer testes em cada edição. Veja essa representatividade em 2020 como um ensaio. Assim como não podemos negar a possibilidade do público se cansar de um game competitivo, levando a perda de espectadores. Mas não era isso que diziam do Skate?