Parasita: Por que o filme mereceu o Oscar

Em Parasita, toda a família de Kim Ki-taek está desempregada e vive em um porão sujo e apertado. A situação deles muda quando Ki-woo, o filho, tem a oportunidade de dar aulas de inglês para uma garota de família rica. Deslumbrados com o luxo no qual os Park vivem, o resto da família Kim decide se infiltrar na casa deles.

Dirigido por Bong Joon-ho, Parasita foi o grande vencedor do Oscar desse ano (fazendo história sendo o primeiro filme não falado em inglês a levar o Oscar de Melhor Filme), além de arrebatar prêmios em diversos festivais. Há muitos motivos pelos quais isso aconteceu. O filme fala sobre a divisão de classes de uma forma que transcende a barreira da linguagem. Bong Joon-ho usa brilhantemente um roteiro que surpreende, uma fotografia inteligente e uma direção certeira, trazendo atuações muito coerentes de todo o elenco.

©Barunson E&A Corp

Uma coisa interessante de se notar em Parasita é a importância que símbolos tem para a história. Como exemplo disso, temos a pedra que é dada de presente para a família Kim por Min, um garoto que está na faculdade e é amigo de Ki-woo. Min está ascendendo socialmente, e a pedra se torna um símbolo da possibilidade de Ki-woo fazer o mesmo.

A pedra é, como diz Ki-woo, “metafórica”. Ela significa a riqueza e é simbólico o fato de ela aparecer várias vezes no filme, em pontos cruciais, estando fisicamente conectada ao garoto. É também através dela que Ki-woo começa a decair, quando ele é acertado na cabeça com ela ao final do filme. Mesmo que ela lhe trouxesse esperança, no fim ela também é algo que acaba com as suas chances de mudar de vida, quase matando-o no processo.

Outro símbolo bem utilizado é o cheiro. Ele é diretamente ligado à família Kim, como forma de degradá-los. Os Park diversas vezes demonstram desconforto ao sentirem o cheiro dos Kim e é até notado pelo filho menor dos Park, Da-Song, que eles possuem o mesmo cheiro, quase desmascarando os Kim. O cheiro é ligado à pobreza e acentua a diferença entre as famílias. Enquanto os Park tem luxo, os Kim vivem em um local sujo.

Além desses símbolos, a fotografia também utiliza o espaço muito bem. Parasita é muito vertical, ou seja, a câmera se movimenta várias vezes para cima e para baixo. O filme já começa com a câmera movendo-se para baixo, mostrando aonde a família pobre vive.

Enquanto isso, a casa dos Park fica no topo de uma rua, com uma vista linda para a natureza. Uma cena que deixa ainda mais explícita a diferença de classes é quando há uma tempestade que alaga toda a casa dos Kim, deixando-os desabrigados. Já para os Park, isso não é um problema. Quando o bunker aonde o marido da ex-governanta da casa dos Park se esconde é descoberto, é mais uma forma de a fotografia dizer metaforicamente, usando o espaço, que ele está abaixo da família Park.

O homem até mesmo vê o Senhor Park com uma certa adoração, pois ele indiretamente dá a ele um lugar para morar. A luz e a escuridão são usadas da mesma forma, enquanto a casa da família Park é bem iluminada, a casa dos Kim e o bunker são escuros e sem vida. As lâmpadas da casa também iluminam o caminho que o Senhor Park faz ao chegar em casa e, mais tarde, é descoberto que quem faz com que as luzes se acendam é o próprio homem que vive no bunker.

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A movimentação e a posição dos personagens em cada cena também é muito bem pensada e é aí que a direção de Bong Joon-ho se destaca. Nada é por acaso, e cada ação é pensada previamente, direcionando o olhar de quem assiste. O elenco todo está em completa sincronia, tanto em cada uma das famílias, como entre si, destacando também a ex-governanta da casa dos Park e seu marido, que interpreta muito bem uma pessoa que ficou louca pelo isolamento.

O roteiro é surpreendente. A partir da metade do filme, é como se um outro filme começasse. Há um ponto de virada, quando a ex-governanta dos Park aparece na porta da casa, enquanto os Kim aproveitam o luxo. O próprio Bong Joon-ho disse que é como se Parasita fosse dois filmes em um. A primeira parte acaba quando todos da família Kim conseguiram infiltrar a casa dos Park e a segunda parte começa justamente quando o bunker é descoberto, assim como o esquema dos Kim. Essas descobertas pegam o público de surpresa e é como se fosse impossível de prever para onde o filme irá ir ou como ele acabará.

Após o massacre que acontece na festa na casa dos Park, pode parecer que o diretor já fez tudo o que poderia com o filme, mas não, mais uma vez o público é pego de surpresa e o final também surpreende. Bong Joon-ho nos faz acreditar que a família Kim irá se reencontrar e Ki-taek poderá sair de seu esconderijo no bunker. O que não é a verdade, e o filme termina como começou, com o movimento de câmera para baixo, mostrando Ki-woo em sua casa novamente, agora sem seu pai e sua irmã. O que o público achava que seria uma grande mudança de vida para o garoto e sua família, não passa de um simples sonho que ele conta em sua carta para o pai. Com isso, Parasita continua na mente do espectador muito tempo após terminar e é provavelmente uma das melhores críticas sociais já feita nos cinemas.