Não é a primeira vez que o livro de H. G. Wells, O Homem Invisível, foi adaptado para o cinema. O homem sem sombra, de 2000, é um deles. Mas essa adaptação de 2020, com direção de Leigh Whannell e estrelado pela excelente Elizabeth Moss, conseguiu dar uma repaginada nesse clássico e trazer a história para uma nova audiência. Lidando com um tema sério que é um relacionamento abusivo e obsessão, o filme consegue ser muito atual.
A trama começa mostrando Cecilia fugindo da casa aonde mora com o seu namorado Adrian Griffin. Adrian é homem com muita fama e dinheiro que mora em uma casa afastada perto da praia. É visível no semblante de Cecilia o medo de que o namorado acorde (ela havia o drogado com Diazepan para que ele dormisse). Com muito cuidado, ela consegue sair da casa e espera pela carona que sua irmã, Emily. Ela chega, mas, quando Cecilia já está dentro do carro, Andrian aparece, tentando tirá-la de dentro do carro, exigindo que ela fique. Já vemos nessa cena, e no medo no rosto de Cecilia e sua irmã, o quão abusivo esse relacionamento é e o quanto Cecilia precisava fugir. As duas conseguem ir embora, deixando para trás um Adrian furioso.
A partir daí, somos introduzidos a mais dois personagens James e sua filha Sydney, que são muito amigos de Cecilia e a abrigam em sua casa. Cecilia passa os dias trancada dentro de casa, sem conseguir sair. Ela até tenta, mas, quando alguém se aproxima, ela rapidamente volta para dentro de casa, com medo de que Adrian possa aparecer para atormentá-la. Depois disso, Emily aparece e diz para Cecilia que Adrian cometeu suicídio e que agora ela pode ficar tranquila, mas, não é isso que acontece, é o tormento de Cecilia está só começando.
O Homem Invisível é dito ser um filme de Thriller/Terror, mas esse não é um terror do qual estamos acostumados. Aqui não existem monstros e medos muitas vezes fantasiosos, pois o medo real e o que mais assusta é a sensação de perseguição e angústia que Cecilia passa o filme inteiro. O real vilão é um homem comum, abusivo e machista que acha que Cecilia deve continuar com ele, vivendo da forma como ele acha melhor, controlando tudo que ela faz, diz, veste e pensa. Esse é um vilão que vemos no dia a dia (tirando a parte da invisibilidade), com atitudes que vemos, infelizmente, em muitos homens na nossa sociedade.
O filme acerta e muito trazendo todas essas coisas a tona, mostrando o quão vil Adrian é, e o quão fácil é para qualquer mulher acabar presa em um relacionamento abusivo. Cecilia é uma personagem muito forte que, mesmo com todo o trauma, consegue se manter firme o filme inteiro. Elizabeth Moss está perfeita nesse papel. O semblante da atriz, sua postura e até a maneira como ela se move, passa muito bem o medo e o tormento que sua personagem está vivendo. O olhar dela e a forma como ela está sempre observando seu redor, com medo de que Adrian apareça nos faz sentir medo com ela, fazendo com que fiquemos atento a todo momento no filme. É incrível como, no final do filme, o rosto da atriz muda, ficando mais leve, totalmente diferente do seu semblante no resto do filme. Elizabeth Moss sabe muito bem se expressar sem dizer nada, apenas seu rosto nos faz saber o que a sua personagem está sentindo. A mudando do resto do filme para o final do filme faz com que a carga dramática desse momento fique ainda mais intensa.
Benjamin Wallfisch ficou encarregado da trilha sonora e ela consegue ser muito certeira. Nos momentos mais intensos, ela também se intensifica, mas, nos momentos em que Cecilia está observando o vazio, com medo de que Adrian apareça, a trilha fica mais silenciosa, passando até mais medo do que quando ela está mais aguda, por exemplo.
Além da atuação de Elizabeth Moss, o que se destaca muito é a fotografia que abusa dos espaços em vazio. A tensão e o medo de Cecilia fica ainda maior e evidente pela forma como a atriz interage com esses espaços vazios. As coisas que se movem sozinhas, uma cadeira vazia, todos os elementos são usados muito bem para passar a sensação de que alguém está a observando, o que a atormenta ainda mais, principalmente porque ninguém acredita nela quando ela diz que Adrian achou um jeito de se tornar invisível.
O Homem Invisível pode parar meio devagar, tendo um ritmo meio lento, já que as coisas vão acontecendo aos poucos, até porque assim funciona bem com o desespero de Cecilia que só vai crescendo. Mas o filme entrega o que foi proposto, sendo um terror que deixa a gente com frio na espinha e olhando por cima dos ombros, com medo de que alguém aparece. O filme também termina muito bem, com reviravoltas inesperadas e com um final justo para os personagens.