Carol: Tudo completa seu ciclo

Quando “The Price of Salt (mais tarde rebatizado de Carol), escrito por Patricia Highsmith, foi lançado, o livro foi um marco por seu enredo ser a frente de seu tempo, mostrando o amor entre duas mulheres de uma maneira nunca antes vista através de uma história simples e de grande sensibilidade.

Assim como no livro, o filme (lançado em 2015) se passa nos anos 50 e acompanha a trajetória de vida de duas personagens: Carol (interpretada por Cate Blanchett) e Therese (Rooney Mara) separadas pelas suas diferenças sociais, mas unidas por um desejo mútuo e inexplicável. O roteiro fica por conta de Phyllis Nagy, que conseguiu transportar os aspectos principais e mais marcantes do romance, de uma maneira muito coerente e eficaz.

Carol é uma mulher elegante, marcada por seu estilo requintado da época, que pede o divórcio de seu marido, Harge (Kyle Chandler), pois não o ama. Carol se vê em uma situação terrível, presa às convenções sociais e a obrigação de continuar com o marido, tentando ser a esposa/mãe perfeita aos olhos dos outros.

No outro lado da história está Therese, uma moça mais nova presa a um trabalho pelo qual não sente conexão nenhuma em uma loja de brinquedos. Therese sonha em ser fotógrafa e, assim como Carol, está em um relacionamento com um homem por obrigação. Então, um dia, Carol vai até a loja onde Therese trabalha para comprar uma boneca para a filha e as duas se conhecem. Uma conexão e curiosidade muito grande une as duas e logo elas se apaixonam, vivendo uma paixão arrebatadora.

©StudioCanal & The Weinstein Company

Carol é uma obra de arte visual além de um clássico instantâneo pela sua riqueza técnica e também impecável em sua história, guiada por atuações magníficas de Cate Blanchett e Rooney Mara. A direção liderada por Todd Haynes se mostra rica em detalhes e é impossível não notar a expressão artística do diretor. Isso tudo é passado muito bem pela fotografia do filme feita por Edward Lachman, onde as cores se destacam e a sensação de estarmos assistindo um filme de época é grande, também pelas técnicas usadas em sua gravação, que foi feita inteiramente em filme e não digitalmente.

O jogo de cores, principalmente entre o azul e vermelho é bem clara, marcando os sentimentos das personagens e o estado emocional no qual elas se encontram. O azul (e outras cores “frias”) é a caracterização da solidão e do espaço que separa as duas personagens principais e é geralmente usado em cenas nas quais elas aparecem sozinhas em cena, longe uma da outra. Já o vermelho (e outras cores “quentes”) marca as cenas nas quais elas aparecem juntas, pensando uma na outra ou quando elas se veem, caracterizando o interesse mútuo de uma pela outra e a ligação forte que as duas sentem. Além disso o uso do reflexo/espelho, como nas cenas onde Therese ou Carol estão dentro de um carro, e o uso de outros elementos que passam a sensação de encarceramento e isolamento que elas sentem quando estão ao redor de outras pessoas também é usado muito bem, ajudando a expressar os sentimentos das duas quando não há diálogos. Todo esse conjunto artístico “fala” muito e é o equilíbrio perfeito entre o silêncio e o som no filme.

Outro ponto fortíssimo do filme é a sua trilha sonora composta por Carter Burwell. A música, mais do que qualquer outro aspecto técnico do filme, fala pelas personagens de uma maneira que as palavras não conseguiriam mesmo se existisse mais diálogos no filme. A trilha criada se torna parte da história, agindo como um meio de ligação entre as duas personagens principais e o que elas sentem uma pela outra. O ritmo construído se encaixa muito bem nas cenas e nas situações vividas na tela, sejam elas em um clima acelerado ou mais lento. Isso é passado principalmente através dos instrumentos escolhidos pelo compositor e é clara a atenção que ele deu aos pequenos detalhes de cada parte do filme, transportando-nos para o mais próximo e íntimo possível de Therese e Carol e o amor das duas.

©StudioCanal & The Weinstein Company

Um detalhe interessante e que achei uma grande sacada do diretor foi de começar o filme com uma de suas cenas finais, o que deixa quem assiste com uma vontade ainda maior de saber como a história se desenrolou para chegar a tal ponto. A frase “tudo completa seu ciclo” (escrita somente para o filme) se encaixa muito bem nessa situação, assim como em sutilezas ao decorrer do filme. Por exemplo, no trem que Carol comprou para sua filha: o brinquedo dá voltas e voltas, assim como a vida das personagens mas, no fim, o ciclo se completa e a cena final com Therese e Carol é uma das mais marcantes do longa inteiro.

Carol é um exemplo perfeito para se falar de um filme muito bem realizado, em que até os mínimos detalhes são previamente pensados, desde seu figurino, fotografia, som, música, roteiro, etc. O filme também não seria nada sem as interpretações de seu elenco, com o destaque absoluto para as atrizes principais que entregam o máximo de si em atuações incrivelmente marcantes.