A Voz Suprema do Blues – O último filme de Chadwick Boseman

Chicago. 1927. Esse é o cenário de A Voz Suprema do Blues (Ma Rainey’s Black Bottom). O longa é dirigido por George C. Wolfe e escrito por Ruben Santiago-Hudson, baseado na peça de mesmo nome de August Wilson. É também o último filme estrelado por Chadwick Boseman, que faleceu em 28 de agosto desse ano. Além dele, a incrível Viola Davis também está no elenco, junto com um ótimo grupo de atores coadjuvantes.

Somos introduzidos a história já sendo nos mostrado o cenário da cidade de Chicago, a ambientação é maravilhosa e os tons da fotografia destacam muito bem esse clima de muito calor da cidade. Dá para sentir o desconforto das pessoas e o quão sufocante tudo aparenta ser. Algo que o diretor acentuou muito bem ao não mostrar um céu azul. Segundo ele mesmo, assim a sensação do clima abafado ficou ainda mais forte. É destacado também o atrito entre os negros que vieram para a cidade e os brancos. Na época, inclusive, é quando ocorreu a chamada Grande Migração, que foi quando muitos negros saíram do sul dos Estados Unidos e foram para o norte, com promessas de empregos e uma vida melhor. O que, é claro, não aconteceu, e vemos a luta dessas pessoas para melhorar de vida.

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Logo no início do filme, vemos também uma apresentação de Ma Rainey e somos impactados pela sua presença de palco, o que é claro um reflexo da presença de Viola Davis, que além de ter uma atuação impecável, também teve um ótimo apoio da figurinista, que lhe proporcionou enchimentos, próteses nos dentes e uma maquiagem que fez com que Ma Rainey viesse completamente a vida. É impecável também o trabalho com o figurino dos figurantes e também o cenário aonde a cena é filmada, que, além disso, mostra a segregação que ocorria na época. Tendo em vista que a separação entre brancos e negros era feita, os negros na época construíam suas próprias comunidades e vemos a união criada por todos.

Ma Rainey se mostra uma mulher de personalidade forte, debochada e decidida no que quer. Ela chega em Chicago para uma gravação, que dois homens brancos de uma gravadora querem que ela faça. Junto dela está sua banda, e um desses músicos é Levee (Chadwick Boseman), um artista determinado, cheio de criatividade que quer evoluir ainda mais em sua música. O encontro de gerações causado entre ele e Ma Rainey é grande. Enquanto ela quer tocar suas músicas como ela sempre fez, Levee quer renovar. O atrito entre os dois está presente o tempo todo e gera um clima de tensão entre todos os personagens, principalmente os outros integrantes da banda, que não opõem-se ao que Ma Rainey quer. Seria interessante, no entanto, que Viola Davis e Chadwick Boseman fossem colocados frente a frente mais vezes, para que os dois pudessem destacar mais ainda esse atrito entre os dois personagens.

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O cenário então, a partir daí, não muda muito, as cenas se desenrolam dentro da gravadora, dividindo-se entre a sala maior de gravação e uma sala menor, quente e apertada, aonde os músicos ensaiam e conversam. É também onde acontecem as melhores cenas e quando vemos Chadwick brilhar, principalmente em seus monólogos, como quando ele conta a história de seu passado. Um dos personagens questiona o porquê de ele ser complacente com os homens brancos e é então que ele conta para os outros músicos a história de quando sua mãe foi atacada por homens brancos. Isso deixou marcas profundas nele e vemos o medo que ele ainda sente. Além de muita raiva e frustração, o que ele tenta colocar para fora através da música.

Viola Davis também se destaca em sua atuação, é incrível a forma como ela se adapta a cada personagem que interpreta, mergulhando a fundo em cada característica de Ma Rainey, além de ter falas maravilhosas, como quando ela explica o porque do Blues ser tão importante. Ela diz: “Não se canta para se sentir melhor, se canta para entender a vida.” Sua personagem tem um apreço enorme pela música, mas também está claramente em seu fim de carreira, o que a deixa também um pouco amargurada e cansada. A música é, então, a forma como a qual encaramos a vida, como enfrentamos as dificuldades e seguimos em frente. Blues também é uma celebração da cultura afro-americana, uma grande parte do que essas pessoas são e amam.

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Algumas cenas do filme parecem que poderiam ter funcionado melhor como uma peça de teatro, vemos pouca mudança de câmera e cenário, mas isso é muito bem utilizado pelos atores, que aproveitam esses momentos mais “parados” para brilhar em suas atuações. A direção é muito competente, com momentos interessantes, como quando Levee abre uma porta e ela dá para uma parede na rua. O que é, segundo o diretor, uma metáfora para o sentimento de Levee de não ter saída, de não conseguir chegar a lugar nenhum. Assim a queda de seu personagem é certeira, ele acaba se perdendo e sucumbindo à loucura, chegando a matar um dos músicos da banda.

Não será uma surpresa se Chadwick Boseman levar vários prêmios póstumos por esse filme. É algo que, inclusive, ele merece e muito. A Voz Suprema do Blues é uma celebração de seu talento e uma linda obra para servir de despedida a esse grande ator. O filme está disponível na Netflix, junto com um vídeo maravilhoso dos bastidores, que indico muito que seja assistido após o longa.