The Owl House: um lar para chamar de seu

Adolescência às vezes é um momento solitário, escapista da existência humana. É um período de descobertas, um limbo identitário entre a lúdica infância e a sóbria adultez. Tão clichê como esse meu prelúdio soe, é vero que durante essa passagem da vida nós buscamos nos aproximar de culturas, modas que reflitam melhor a nossa personalidade. Daí que vem as ditas tribos urbanas: surfistas, atletas, nerds, góticos, patricinhas, e por aí vai. Às vezes, infelizmente, não conseguimos nos encontrar em nenhuma delas.

Luz Noceda é uma latina de 14 anos que, por alguma infelicidade do destino, não consegue se encaixar em lugar algum. Altruísta, sonhadora, e criativa, a jovem não tem algum amigo sequer, isolada em suas próprias fantasias. Sua mãe, preocupada com o comportamento da menina, a envia para um acampamento de férias sob a premissa de enquadrá-la na sociedade. No meio do caminho, Luz desvia desse reformatório e acaba nas Ilhas Escaldadas, dimensão das bruxas e demônios. Um desafio inesperado.

The Owl House (TOH) é uma das mais novas animações seriadas dos canais da Disney. Lançada em janeiro de 2020, completou a sua primeira temporada no sábado 29 de agosto. Idealizado pela Dana Terrace – animadora também de Gravity Falls, o desenho acompanha as aventuras de Luz enquanto ela conquista seu sonho de se tornar uma bruxa. Outrora perdida em meio os humanos, a nossa protagonista se encontra entre a magia. Mais do que feitiços, ela aprende com Eda, a Mulher-Coruja e King, o Rei dos Demônios a abraçar suas qualidades únicas.

Essa ideia central de auto-aceitação foi muito fortuita e bem explorada em seus 19 episódios. Tão notável foi que, em entrevista ao portal Collider, Terrace foi perguntada a importância da abordagem desse tipo de mensagem como criadora. Eis a sua resposta:

Dana Terrace. Crédito: Arquivo da School of Visual Arts

“Bem, eu acho que esse é o tipo coisa que muitas pessoas podem se identificar. Quando eu era menina, eu não sabia me comunicar com outrem. Achavam que eu fosse um tipo de aberração porque uma das minhas coisas favoritas de fazer era encontrar bichos mortos na estrada e aprender a desenhar observando aquilo. Aí ficavam assim, ‘que diabos há de errado com você?’, e eu apenas reagia com ‘eu só estou tentando aprender a desenhar’. E é daí que parte da personalidade de Luz vem, parte do seu cenário. Porém eu acho que é apenas uma mensagem muito importante a ensinar para a garotada: tudo bem com você se expressar. Você deveria ser permitido se expressar de qualquer maneira produtiva que você quiser.

“Esse não é o único tema que lidamos no programa. É como introduzimos os personagens, mas nós tratamos com um monte de emoções e situações com o elenco, e nós sempre tentamos representá-las de maneira centrada e realista. O mundo mágico e a magia usada na série são sempre artifícios de enquadramento para as narrativas emocionais que tentamos contar.”

Desde o primeiro instante que eu vi o primeiro poster de TOH, eu desenvolvi altas expectativas, as quais só se intensificaram exponencialmente após o primeiro trailer. Cada revelação só me deixava mais empolgada. Fantasia? Animação com fluidez? Designs estranhos inspirados pela arte medieval de Hieronymus Bosch? Episódio de 22 minutos? Protagonismo feminino? Mal conseguia esperar pelo primeiro capítulo. Após finalmente vê-lo, foi paixão imediata.

A série promete muito com a sua premissa, todavia cumpre cada comprometimento. Animação impressionante. Personagens com arcos de desenvolvimento riquíssimos. Diálogos bem escritos. Excelente equilíbrio entre terror, sensibilidade, e – acima de tudo – comédia. Mas que série bem-humorada!

Assim como a protagonista de TOH, fantasias medievais foram meu escapismo da minha solidão durante a adolescência. Eventualmente, eu descobri o meu lugar entre as pessoas que amo. Luz Noceda, por sua vez, se encontrou nas lições de magia da Casa Coruja e não mais precisou ficar sozinha.