Terceira Temporada de BoJack Horseman: como serei lembrado?

À primeira vista, a impressão desenvolvida do indivíduo BoJack Horseman é que ele não liga para o que ele deixa como legado. Com uma atitude auto-destrutiva e trágica, o personagem titular deixou algumas pistas ao longo das duas temporadas anteriores de que não se importa com o que ele deixa para trás. O terceiro capítulo dessa história quebrou essa imagem para mim.

Atenção: spoilers à frente

O que oferecer ao homem no topo do mundo? Após o protagonista ser conhecido por décadas apenas como “aquele cavalo daquele seriado dos anos 90”, a terceira temporada série BoJack Horseman oferece um novo desafio: “e agora o quê?”. A biografia dele foi um estrondoso sucesso e seu filme “Secretariat” também, resultando numa possível indicação à grandiosa estatueta do Óscar. Sem filhos, parentes próximos, e com a maioria dos seus amigos alienados por suas ações tóxicas, a esperança do prêmio significa algum tipo de marca no mundo, talvez uma forma de ser lembrado no futuro. Se você vem acompanhando o programa com atenção, não há nenhuma surpresa no fato de que tudo dá errado.

Não mentirei, leitor: essa temporada foi a mais difícil de definir. Além do fato de que já passaram 4 anos desde a sua estreia em 2016, sua temática central construída ao redor da memória se revela de maneira bastante sutil. Ao longo dos episódios, a série apresenta flashbacks para o ano de 2007, quando BoJack tentava produzir uma nova série completamente diferente do show que o levou ao estrelato – mais íntimo e “digno de sua arte”. A partir dessa sequência de lembranças, vemos como parte o coração do cavalo descobrir que ele mesmo não é tão especial como ele pensa.

Cada vez mais isolado, ele se agarra ao passado, afinal, nessa hora, é tudo que ele tem. Nenhuma linha narrativa nesta temporada explora melhor essa tragédia do que a conclusão da história da Sarah Lynn, uma atriz mirim que fez parte do elenco do Horsin’ Around e se tornou uma celebridade pop star. Similar à Lindsay Lohan, ela passou por fases de intenso uso de drogas e inúmeras reabilitações, considerada por muitos uma bomba relógio. É implicada muitas vezes a sua infelicidade e como o uso de narcóticos é o alívio dessa sua existência repleta de dor. Após nove meses limpa, o tóxico BoJack a chama para uma farra extrema cuja duração é de, pelo menos, seis semanas.

 

Sarah Lynn morre. Pessoalmente, foi um momento que me quebrou. Interpretada de maneira brilhante pela jovial Kristen Schaal, consagrada sobretudo pela sua interpretação como Mabel Pines em Gravity Falls, foi um choque ver a tão caótica jovem abrasiva que aparece em diferentes instantes da série falecer tão insatisfeita, querendo ser uma arquiteta ao invés de uma ganhadora do Óscar. A sua overdose, um ponto tão emblemático no show, é tratado com franca sensibilidade e o choque de sua morte quieta ao final do episódio 12 é construído magistralmente. Em entrevista à Vanity Fair, criador Raphael Bob-Waksberg foi perguntado se ele foi longe demais com essa história. A sua resposta ilustra bem o cuidado que a equipe tem ao lidar com esse tipo de desgraça:

“Hm, é, você sabe… Não. [ri] Eu não me preocupo com isso, porque, pessoalmente, eu sinto que foi conquistado [o uso dessa linha narrativa]. Não passa a sensação de que foi, tipo, chocante apenas para causar. São dadas grandes pistas em cima de todas as aparições que Sarah Lynn já fez. Mas também acho que a esse ponto, conquistamos a confiança dos espectadores. Nós sabemos que é algo grande; não estamos tratando levianamente. As coisas que acontecem neste universo têm peso, também têm significado,  e nós tomamos responsabilidade por isso. Mesmo no último episódio você vê a culpa [do BoJack] reverberar, e como isso afeta a sua capacidade de participar num novo programa.”

Chegando à sua terceira parte, BoJack continua extremamente desafiador, charmoso, sombrio, e hilário. Sem jamais abdicar das risadas nem das lágrimas, o roteiro desenvolve as narrativas de forma competente, distribuindo socos na boca do estômago do público com a graça de dançarinos de balé profissionais. Cada vez mais mordaz e genuína, a série define sobriamente ao longo dos capítulos seu legado tragicômico atravessado pela toxicidade do seu protagonista.

Você pode assistir a BoJack Horseman pelo serviço de streaming da Netflix.