Após quase sete anos, entre múltiplos hiatos e programação tumultuosa, a saga de Steven Quartzo Universo (Zach Callison) chega à sua conclusão. Acompanhamos o jovem meio-humano, meio-gema em suas aventuras ao longo de 180 episódios (divididos entre a série principal e a continuação epílogo) e um longa-metragem, seus altos e baixos, derrotas e vitórias e, então, sua resolução. Seis meses atrás, abordei o filme, e agora volto a atenção à Steven Universe Future (SUF), finalizada dia 27 de março.
Atenção: o texto a seguir apresenta spoilers
SUF inicia exatamente no ponto que a película termina: as coisas estão bem, Steven salvou a galáxia, reintegrou gemas outrora corrompidas – em suma, tudo está na mais perfeita ordem. O que ele faz agora que não mais precisam dele? Acostumado a resolver todos os problemas das pessoas ao seu redor, o mundo desse garoto sempre esteve em crise, sempre associando seu próprio valor como indivíduo a quanto ele pode ser útil. Uma receita certeira para o desastre.
Após conhecer e amar um gentil garotinho por mais de 150 capítulos da sua vida, esse Steven quase-homem-que-não-se-conhece é um estranho. Irritável, danificado, exausto, e inseguro, o adolescente traz à tona as questões humanas que permeiam o seu cosmo, porém nunca trabalhadas uma vez que sempre havia tensões mais urgentes. Mais isolado do que nunca em sua espiral do terror interna, o nosso garoto mergulha de cabeça na necessidade de ser útil para poder talvez cessar sua voz interior o chamando de fraude.
Nem humano, nem gema, o protagonista de SUF sofre sem ter a mínima ideia de quem ele possa ser. Não querendo diagnosticar um personagem fictício, mas já o fazendo, esses sentimentos incertos indicam uma possível síndrome do impostor. Definida pela psicóloga britânica Rachel Buchan como “uma crença interior de que você não é bom o suficiente, ou não pertence”, Steven demonstra os efeitos dessa desordem após sentir que perdeu sua utilidade para a comunidade ao seu redor. Frustrado, ele tenta encontrar seu lugar no mundo se jogando em mais e mais projetos e, sem sucesso, o estresse se acumula até o instante o qual ele se colide com a sua ruína.
A criadora Rebecca Sugar foi muito competente ao explorar aqui as consequências das aventuras anteriores de Steven. Foi uma demonstração clara de como o seu altruísmo foi danoso e, embora tenha feito bem a incontáveis vidas, o trauma acumulado o aleijou em muitos aspectos. Em entrevista ao Vulture, foi-lhe perguntado se foi intencional a abordagem de temas mais sérios em SUF. Em resposta, Sugar disse o seguinte:
“Nós não queríamos evitar expor a dificuldade da situação. Steven sempre havia adicionado muita leveza a tudo, no entanto ele vinha fazendo aquilo muito agressiva e conscientemente, tentando extrair algo positivo de um contexto muito negativo. Ele não faz isso mais. Ele simplesmente não tem a capacidade.” Nesse momento de sua existência, pela primeira vez, ele olha para si ao invés dos outros e o conflito é tão angustiante que ele se torna um monstro de ansiedade, literalmente, ao se mostrar incapaz de dividir consigo a compaixão que ele oferece aos outros.
No meu texto anterior, eu afirmei que o ponto mais forte de toda a narrativa era de como o amor transforma e como a empatia faz a verdadeira diferença. Eu diria que esse elemento se mostra ainda mais forte aqui, entretanto, ao invés de direcionado a outrem, carrega a mensagem de oferecer gentileza a si mesmo. Se Steven superou todas as adversidades que não as dele, incapacitado de seguir adiante, é hora das pessoas que o amam fazer esse papel e mostrar que, sim!, ele merece amor.
SUF termina quase abruptamente. Depois do clímax do penúltimo episódio com a resolução do arco de traumas lidados pelo protagonista, o último capítulo é dedicado a despedidas e promessas de algum futuro distante, com um forte tom de esperança. Da mesma maneira única que começou, Steven Universe se despede com a leveza genuína (ainda que não mais ingênua) de um indivíduo promissor, cheio de oportunidades e, acima de tudo, bondoso.
Steven Universe foi uma das experiências mais excepcionais que eu tive como espectadora: não há como definir em palavras as emoções sentidas por toda essa jornada de quase seis anos acompanhando esse menino. Assim como ele, eu cresci, amadureci, e agora é hora de seguir adiante. Muito obrigada, Steven Universe, e tomara que o amanhã nos reserve amor.