Steven Universe e o Triunfo na Compaixão

Como quem não quer nada, Steven Universe estreia despretensiosamente no Cartoon Network estadunidense em maio de 2013 (abril de 2014 no Brasil) narrando o cotidiano do herói titular (Zach Callison) e de sua família de mulheres mágicas, Garnet (Estelle), Amethyst (Michaela Dietz), e Pearl (DeeDee Magno Hall). Pelos olhos de Steven, uma criança de idade ainda não especificada, desvendamos a cada episódio de onze minutos um novo segredo relativo à sua herança mágica.

AVISO: SPOILERS SOBRE A SÉRIE INTEIRA

Lentamente, porém de forma certeira, a mensagem de amor e empatia do programa conquistou legiões e mais legiões de fãs. Seis anos depois de sua estreia, Steven Universe já acumula cinco temporadas, um filme, jogos (tanto mobile quanto para consoles tradicionais), algumas premiações, álbuns de trilha sonora, livros, quadrinhos, além da mercadoria licenciada. Considerado um sucesso estrondoso, sua criadora Rebecca Sugar fica aturdida com tamanha recepção, feliz como a obra de sua vida atinge tantas pessoas. “Eu pensei que ressoaria como uma mensagem secreta, não algo que tantas pessoas estavam esperando para ouvir”, disse ela em entrevista ao Rolling Stone ano passado.

Rebecca Sugar na Comic Con de 2014 (Crédito: Peter Dzubay)

Steven dá seus primeiros passos como um menino gordinho sem poderes mágicos e sem respostas sobre seu legado. Tudo que ele sabe é que sua mãe, Rose Quartz (Susan Egan), foi líder das Crystal Gems (CG) por muito tempo até que ela conheceu seu pai, Greg Universe (Tom Scharpling), e os dois o fizeram. Eventualmente ele aprende sobre a guerra interplanetária entre as CG e o Planeta Natal; sobre a Autoridade Diamante; sobre as relações partidas após a morte de sua mãe; sobre as consequências da rebelião a qual resultou na guerra; sobre a verdadeira identidade de Rose Quartz. Entre muitas tensões, desespero e despreparo, o herói ergue sua bandeira de esperança e persevera com amor e compaixão. E é dessa forma que começa o longa-metragem aqui abordado.

Poster do filme. (Crédito: Cartoon Network)

Ambientado dois anos após o último episódio da quinta temporada, o filme começa com o Steven celebrando a paz enfim estabelecida por toda a galáxia graças aos esforços dele e da Autoridade Diamante, outrora sua inimiga. Em um tom relaxado, ele inicia a película musical cantando sobre o seu “feliz-para-sempre”, comemorando sua vitória ante o sistema discriminatório intergalático agora desmanchado.

No horizonte, entretanto, novos problemas surgem com o ataque da Gem Spinel (Sarah Stiles), enfurecida com Steven por algo que ele sequer sabe o que possa ser. Cega de fúria, ela envenena o planeta com uma substância tóxica e então ceifa as formas físicas de Garnet, Amethyst e Pearl. Por fim, é eliminada pela sua foice, mas não sem antes machucar Steven profundamente.

Desesperado com o destino do planeta, Steven aguarda pelo retorno de suas companheiras para solucionarem juntos essa questão. No entanto, uma vez que todas as quatro Gems afetadas pela foice se recuperam, revela-se que todas as suas memórias se apagaram: todo e qualquer tipo de atributo pessoal adquirido com o tempo foi substituído pelas configurações iniciais de quando elas foram feitas. Em outras palavras, elas foram zeradas e são de pouco ajuda. Todavia, através de canções sensíveis e de tentativas francas, cada uma delas consegue recuperar suas lembranças. Até Spinel, não mais risonha e amigável.

A vilã que acompanhamos com confusão e certo temor é construída lentamente ao longo da obra, com pistas de sua razão de ser pinceladas aqui e ali, até o ponto que nós, espectadores, vemos seu passado. Como se recebêssemos um soco no estômago, a narrativa muda de forma: Spinel não é só antagonista dessa história, porém uma vítima de abandono tentando reparar o dano causado pela Diamante que a largou para trás num jardim por milênios.

É nessa hora que Steven Universe – tanto o desenho como o personagem homônimo – brilha: caracterização sensível. Ao invés de utilizar adversários motivados pelo desejo cruel de causar maldade, a humanização crível dos oponentes é intrínseca à obra. Desamparo, solidão, abuso, angústia, ignorância… Tantos atributos verossímeis para o espectador se identificar e perceber a humanidade escondida nos inimigos. Disfarçada em cenários coloridos de tons pastéis, músicas autorais, e personagens variados, a celebração da diversidade acompanha toda a história, tecendo uma trama que promove de jeito efetivo sua mensagem de amor.

Steven Universe é uma série com problemas, ninguém negaria: ritmo inconsistente, animação irregular, resoluções simples demais, etc. Alguns, inclusive, presentes no longa-metragem. Contudo, a força das suas ideias sobre superação, afeto, perdão, comunicação, e reciprocidade associadas às interpretações fenomenais pelos seus atores de voz ofusca essas falhas.

O filme fecha comemorando as adversidades conquistadas sem jamais perder a ternura. Mais uma vez, o amor venceu.