Quarta Temporada de BoJack Horseman: os traumas que herdamos

Assistir à série animada BoJack Horseman anualmente é uma experiência conflitante, sou obrigada a admitir. Se por um lado, o programa é uma comédia absolutamente hilária com uma escrita impecável, por outro alcançamos pontos baixíssimos, reflexivos e deprimentes. Até o presente instante, acredito que a quarta temporada consegue encapsular esta noção mais do que qualquer outra.

Após se afundar na culpa pela morte de Sarah Lynn na temporada passada, BoJack – o personagem, não a série – chega à conclusão de que ele é tóxico. Em suas palavras, “Sou venenoso. Nasci no veneno, tenho veneno dentro de mim e destruo tudo que toco.” Uma definição tão cruel exige explicações: qual seu relacionamento com sua família? Como foi seu lar na infância? Onde eles estão? Aqui entra Beatrice Sugarman e Hollyhock Manheim-Mannheim-Guerrero-Robinson-Zilberschlag-Hsung-Fonzarelli-McQuack (sim, o nome é grande assim mesmo e não vou repetí-lo na íntegra).

Beatrice (Wendie Malick) é a mãe do nosso protagonista: distante, negativa, e até violenta em vários momentos. Graças aos flashbacks à juventude do BoJack, conseguimos compreender a natureza da sua toxicidade herdada aos berros, entender de onde vêm as cicatrizes emocionais as quais aleijaram o personagem. Mais do que isso, conseguimos examinar como essa imponência assustadora se converteu em pura indiferença na frágil velhice.

Do outro lado do espectro, é introduzida a Hollyhock (Aparna Nancherla), suposta filha do BoJack. Criada por oito amáveis pais adotivos, ela busca respostas sobre a sua herança familiar genética. Levando em conta que eles não se conheciam por tanto tempo, BoJack não sabe como lidar com ela, uma pessoa que ainda não havia sido tocada pelo seu veneno, cujo futuro ainda parece promissor.

Diante dessas duas figuras femininas, é possível observar a noção de legado do personagem titular. Se na temporada anterior ele se perguntou como ele poderia ser lembrado pelo seu trabalho, esta questão é tratada de maneira mais íntima, através de sua noção de família. Ele é uma pilha de nervos ansiosa e desregrada, nascido em um lar venenoso, e agora teme repetir os erros de seus pais.

Dentre todos capítulos abordados nesta série de críticas, eu soube que o quarto seria o meu favorito de abordar. Desde a sua estréia em 2017, eu me pego pensando em como a narrativa alcançou um novo nível de polidez e criatividade. A animação, que não é exatamente o forte do programa, explora técnicas para ilustrar mais efetivamente as emoções sentidas pelos personagens – em especial, a ansiedade do BoJack, como podemos ver abaixo:

 

BoJack Horseman é o tipo de produção que só consegue ficar melhor. O roteiro é estonteante, os diálogos são carregados de significado e franqueza, a narrativa é sólida, e a execução da proposta é simplesmente incrível.

Ademais, os personagens (mesmo os que menos abordo aqui pois extrapolam o tema principal da temporada) evoluem de maneira orgânica e bela, fazendo o espectador sentir o peso das ações. Não há ponto sem nó: mesmo a humanidade da cruel Beatrice é explorada, mergulhando na história do abuso que ela sofreu e então perpetuou na criação do BoJack. Ela é algoz, porém também vítima, e, como seu filho, carrega suas cicatrizes.

Acima de tudo, há algo de genuíno na representação deste desenho de um abuso que é perpetuado por gerações: as nuances de como os traumas acumulados se refletem nas agressões e falsas promessas de afeto. É quase elegante como é tratado esse tópico sensível, sem dar desculpas aos atos monstruosos, porém ilustrando a complexa figura mental dessa pessoa.

BoJack recebeu de herança dos seus pais uma enorme bagagem emocional negativa. Enquanto ainda há tempo, resta a ele decidir se ele vai conseguir se livrar dela.

Você pode assistir a BoJack Horseman pelo serviço de streaming da Netflix.