Os Irmãos Willoughby: a construção e desconstrução da família

Atenção: o texto contém spoilers sobre a história

Família é uma palavra difícil de definir. Digo isso não num sentido literal – o dicionário consegue explanar em termos básicos o que o vocábulo quer dizer – porém sob uma significação mais íntima. Como a sua família é composta? Talvez seja o tradicional pais e filhos. Talvez você considere apenas seus avós. Talvez seja composta por você e seus animais de estimação. Não existe um molde rígido exato perfeito para estabelecer os limites desse grupo, portanto. Cada um faz as suas regras, vê como se encaixa, e daí brota o significado.

Por meio de distintas obras, vemos experimentações com esse conceito. No Túmulo dos Vagalumes, contemplamos os desafios de dois irmãos contra o mundo. Em Irmão do Jorel, observamos a família caótica, brasileiríssima, e unida do personagem titular. Em 101 Dálmatas, tem o Roger e a Anita se endividando para alimentar 101 cachorros. Em Os Irmãos Willoughby acompanhamos a busca de quatro crianças por sentido em se estar em família.

Baseado em um livro homônimo de 2008, a adaptação animada dessa obra infantil estreou em abril deste ano na Netflix, obtendo uma recepção positiva. O desenho explora a natureza do relacionamento entre os membros do clã Willoughby: Tim (o ansioso primogênito obcecado com a ideia de legado); Jane (a sonhadora menina do grupo); os gêmeos Barnaby (tão similares que dividem até o mesmo nome); e os detestáveis pais, Walter e Helga. Os adultos, incapazes de criar seus filhos com um mínimo de decência ou afeto, criaram uma barreira emocional tão profunda com suas crianças que essas preparam um plano o qual seus pais vão viajar o mundo e morrer, deixando-os livres. Não completamente degenerados todavia, Walter e Helga contratam uma babá (Linda) e os irmãos provam pela primeira vez ternura de alguma figura adulta.

Descrevendo assim, a trama soa dramática e sombria, porém há muito cuidado na escolha do tom da história, oferecendo uma atmosfera leve e cômica em contraste com o desastre familiar. A estética contribui bastante para isso, com suas cores vivas e texturas fofas que compõem a cena – o que, aliado a interpretações divertidas, gera um trabalho charmoso. O filme também utiliza o subterfúgio de um narrador onisciente com comentários engraçados que pontuam os absurdos da narrativa. É uma experiência fora do comum, tenho que admitir.

Outro elemento inusitado foi o estabelecimento dos pais como vilões: eles são imaturos, arrogantes e egocêntricos. Devido à sua negligência, seus filhos são desconfiados, arredios, e sem uma bússola moral forte. Tim, em especial, não acredita no carinho genuíno demonstrado pela babá, o que o faz se sabotar sozinho. Entretanto, o mais surpreendente dessa escolha criativa é o fato de que eles não são redimidos! Walter e Helga continuam do início ao fim a mesma dupla miserável.

O diretor Kris Pearn teve muito cuidado ao mostrar o papel familiar no desenvolvimento do indivíduo. Em entrevista ao portal online Polygon, Pearn foi questionado como ele tratava os antagonistas como produtos do seu meio. Destaco esse trecho da sua resposta:

“Eu realmente amo a ideia de que os próprios pais representam uma história de alerta para as crianças. Debaixo do legado do que significa estar nesta família, eles realmente não cresceram. Eles são como crianças. Sempre queríamos mostrá-los mais infantis do que seus filhos. […] Eles têm tanto amor, mas não sabem como dividir ainda. É como essa história de aviso, se você não aprende a dividir, talvez você se torne essa pessoa. Eu acho que isso se tornou a jornada para as crianças, aprender que amor é uma escolha. Que família não é algo representado em nome, porém uma escolha. Todos nós podemos optar por amor e podemos todos encontrar uma família, se isso for uma alternativa que nos dispomos a arriscar para conseguir.”

Kris Pearn

A verdadeira família das quatro crianças Willoughby ao final do filme é composta por eles, Linda, o fabricante de doces Comandante Melanoff, e a bebê Ruth. Eles escolheram uns aos outros conscientemente, apesar de não compartilharem laços consanguíneos com seus novos pais ou irmã. Seus genitores não oferecem nada além de toxicidade e, assim sendo, seu vínculo é cortado, substituído por outro mais autêntico e saudável. Os Willoughbys não precisam exigir migalhas de afeto quando podem estabelecer algo melhor e sincero.

Os Irmãos Willoughby é, ao fim do dia, uma obra simples, com mensagem clara e muitas cores para divertir seu público-alvo infanto-juvenil. Contudo, suas pontuadas escolhas criativas oferecem uma mensagem positiva para todos aqueles cujas famílias desviam do padrão básico papai + mamãe + filhinhos.

Só você tem a definição certa para sua família pois não há nenhuma outra exatamente igual.

Se você quiser assistir a Os Irmãos Willoughby, pode encontrar o filme no serviço de streaming da Netflix.