One Piece [Arlong Park]: O Simbolismo do Arco Divisor de Águas

One Piece é uma franquia que continua conquistando fãs por mais de duas décadas, além de ser o quadrinho japonês com o maior número de vendas no mundo todo. Pode até parecer um pouco arrogante e rude, mas através de um arco da história dessa obra, lhe mostrarei o quão incrível e genial pode ser o One Piece por trabalhar vários pontos simples e conseguir junta-los para se tornar uma obra prima que irá te emocionar. Aqui quem escreve é o Vulpixs e desta vez vamos falar sobre “Arlong Park” — o último arco da primeira saga de One Piece.

O que realmente é a obra One Piece?

Uma das coisas que eu mais escuto falar das pessoas que nunca viram One Piece é: Tem muitos capítulos/episódios e é só mais um shounen como qualquer um outro — E é mesmo? Sim, é mais um shounen como qualquer um outro, porém, é trabalhado com muita classe. Cada história tem o seu propósito. O de One Piece é em trazer a importância das aventuras que trilhamos ao longo de nossas vidas, e trazer a tona os problemas da realidade de nossa sociedade através de metáforas e simbolismos, e principalmente o significado de uma AMIZADE.

O arco de Arlong Park dos capítulo 69~95 no mangá, e episódios 31~44 do anime, conceitua tudo o que é o One Piece em apenas um único arco. Para muitos, esta é a parte divisora de águas. É o momento que ao passar dele, você toma a decisão “ou eu continuo até o fim ou eu paro por aqui mesmo”. Particularmente, foi a partir daqui que One Piece me conquistou como fã, pois senti tudo o que o autor se dedicou em passar, fãs de animes uma boa história na base da simplicidade. Trabalhando assuntos como o valor de uma amizade, ditadura, trabalho infantil, exploração, traições, perda da dignidade para conseguir sobreviver, morte, furtos, pobreza e sonhos; todos esses itens citados anteriormente constroem a estrutura do arco Arlong Park e do que é o One Piece com as mensagens que o autor deseja passar para o seu público.

O Arco de battle shounen que fidelizou a obra One Piece

Eiichiro Oda, autor da grandiosa obra, montou todo um cenário afim de trazer peso para o arco principal dessa primeira saga East Blue. Com o foco na personagem Nami junto de seu passado e toda a sua dor reprimida, One Piece adiciona elementos problematizantes da nossa realidade: Exploração de terras, escravização e trabalho infantil.

Um dia, o pirata Arlong e sua tripulação atraca na pequena vila Cocoyasi para tê-lo como seu território por livre e espontânea pressão. Apenas para satisfazer sua ambição de poder e soberania sobre os mais fracos que além de tomar a ilha para si, o vilão explora todos os habitantes com impostos que pessoas humildes não teriam condições de pagar. E agora entra o ponto chave deste arco e tudo o que eu acho incrível sobre o que é One Piece. A profundidade e o background de um personagem na história.

Imagem relacionadaNami, amiga do protagonista Monkey D. Luffy e tripulantes do bando dos Chapéu de Palha, seguia em jornada junto dos personagens principais como uma simples navegadora e uma ladra de outros piratas. Em um certo ponto da história descobrimos que Nami trai Luffy e todos aqueles que trilharam uma jornada junto dela, roubando seu navio, seus tesouros e o mais importante… Traindo a confiança de uma amizade.

Sem entender o porquê, Luffy não a julga e a primeira coisa que vem a sua cabeça é que ele precisa entender o que fez ela tomar tal decisão, pois isso não era do feitio dela já que o protagonista acreditava em sua amiga. Nessas horas, alguns podem pensar que Luffy é um personagem de battle shounen estereotipado. Eu não tiro essa razão, pois ele é mesmo. Contudo, o diferencial do protagonista de One Piece é que ele segue princípios, e dos mais simples eu diria.

As vezes não paramos para perceber sobre a profundidade de um certo personagem, e para aqueles que já conhecem o Luffy, sabem que ele é uma pessoa de princípios simples, sonhador e autoconfiante. E aí que nos questionamos da profundidade desse personagem. A verdade é que toda a profundidade se dá pelas decisões e ações geradas pelo próprio protagonista da série. Afinal, ninguém vai impedi-lo de… ou melhor, ninguém terá a capacidade de impedi-lo de fazer algo quando ele bota na cabeça que assim fará. Sua determinação em atingir seus objetivos é o que move o personagem e a história pra frente.

Seguindo sua própria filosofia, Luffy vai contra todo o sentido natural de quando alguém o decepciona. Ele não culpa a sua amiga por ter feito o que fez e tão pouco a repudia. Com esse twist na história, os personagens principais descobrem sobre o verdadeiro motivo dela ter roubado a tripulação, traído seus verdadeiros amigos e também do seu passado terrível e infeliz.

Explorada, escravizada por trabalho infantil e separada de sua família. Nami precisou passar por tudo isso quando era apenas uma criança. Sofrendo pelas dores de apanhar diariamente por Arlong à ter que desenhar mapas para ele, ela também precisava carregar a dor em seu coração de ter a sua mãe adotiva morta por protegê-la das mãos do vilão. Toda a dor de Nami já vinha desde antes por ser uma criança adotiva de uma ex marinheira que abdicou da sua profissão para cuidar de duas pequenas órfãs, sendo elas Nami e Nojiko. Sem boas condições de vida, as 3 viviam como pessoas simples e grandes sonhadoras de um dia poder desbravar o vasto mar.

Outro ponto que acho incrível de One Piece é em trabalhar várias vertentes, sendo uma delas a força de uma mulher. Até hoje eu digo que não consegui encontrar em nenhum outro anime, o melhor significado do que é ser uma mãe do que a Bellemere conseguiu ser. Mãe de duas crianças órfãs, durante a invasão e exploração de Arlong, ela só havia dinheiro para pagar a taxa de vida de um adulto ou de duas crianças. Quando Arlong olha para a mesa de jantar e pergunta por que haviam 3 pratos na mesa sendo que ela estava sozinha em casa, o amigo da mãe pede para que ela minta sobre ter filhas adotivas. Porém, Bellemere se recusa a dizer que não tem uma família mesmo que não seja de sangue, pois ela não teria a coragem de negar a existência de suas duas filhas adotivas. Nisso, como punição, Arlong mata Bellemere na frente das duas e leva Nami para seu quartel general, afim de escravizá-la em um trabalho infantil.

A Nami criança faz uma promessa com o ditador e opressor Arlong para que ele não tocasse em nenhum outro habitante da vila, assim ela desenharia mapas para ele, sem reclamar, para que algum dia ela pudesse comprar a vila de volta no valor de 100 milhões de Berries (moeda circulante do universo One Piece). Se sacrificando pela vida da vila toda, Nami carrega um peso enorme em suas costas de ter que juntar uma quantia surreal para uma criança. Com isso, ela cresce e se torna uma ladra de piratas até que chegamos nos dias atuais. O dia em que ela encontra o pirata Luffy e o saqueia como sempre fez com qualquer outro.

Porém, Luffy é diferente dos outros piratas. Ele é diferente porque deseja ajudar uma amiga injustiçada? Não! Embora os outros tripulantes de seu bando tendo ouvido sobre o passado de Nami, Luffy havia saído do local, pois quando Nojiko tentraria contar do passado dela, ele decide que não importava o que ela tenha passado. A única coisa que importa para ele é que ele confia nela como uma companheira e que quer ajuda-la.

O Simbolismo e a Genialidade de One Piece

Com todos esses pontos jogados como um preparo para todo o drama do arco, as simbologias são o que juntam fãs até hoje, não por trabalhar de um jeito arrastado, mas sim com classe e com fundamentos. Tudo em One Piece é montado parte por parte para que no final o resultado seja o mais perfeito possível.

Em um dos casos, Nami descobre que Arlong roubou todo o dinheiro que ela tinha juntado e diz para começar tudo de novo do zero. Sem chão e sem esperanças, Nami encara todos os habitantes da vila com um sorriso, diz que começará tudo de novo e também para não se preocuparem com nada pois dessa vez ela iria conseguir já que havia experiência em roubar dinheiro. Mas, esse já era o limite do que ela e todos os outros ali poderiam suportar. Indo contra tudo o que a Nami se esforçou, os habitantes de Cocoyasi não poderiam simplesmente acenar de volta para ela e dizer “Boa sorte, nós contamos com você, Nami!“. Desta forma, todos da vila se dirigem ao aposento de Arlong para combatê-lo nessa sua soberania.

Sem saber como seguir em frente, seu próprio braço esquerdo com a tatuagem da tripulação de Arlong representava todas as más lembranças de sua vida. Com a verdade exposta, Luffy se depara com a Nami, e a mesma pede para que ele vá embora, até porque nada disso tem haver com ele, além dele não saber de nada do que ela tenha passado nos últimos anos. Luffy concorda que não sabe nada sobre ela, mas discorda em deixar o local.

E agora, com uma das cenas mais lindas de One Piece. Caída e sem esperanças no chão, tendo que pisar por cima de seu próprio orgulho e arrependimento de ter traído um verdadeiro amigo, Nami, chorando,  se vira levemente para o protagonista e diz “Luffy… Me… Ajude!“. Não foi preciso pensar duas vezes. O simbolismo dessa cena cativou todos que ali assistiam ou liam. Luffy coloca  o chapéu de palha, seu tesouro mais precioso, na cabeça de Nami.  Aquela que um dia lhe traiu e virou as costas na primeira oportunidade. — Proteja o meu tesouro enquanto eu vou proteger o seu— Mas por quê? Simples. Porque ela é uma amiga. Precisa de algum motivo maior que esse para querer ajudar uma outra pessoa com problemas?

Na fúria, Luffy invade o aposento de Arlong com o pé na porta, literalmente, e não quer nem saber quem é o maldito do Arlong. Ele só tem em mente uma coisa, chutar a bunda daquele que fez sua amiga sofrer. Partimos então para a luta final de um arco que todo anime battle shounen tem. Contudo, não é bem assim de porrada pra cá e porrada pra lá. No momento ápice da luta, até o cenário é importante. Brigando no quarto em que a Nami permaneceu por anos sendo usada para desenhar mapas contra a sua vontade, Luffy sente a dor de Nami apenas por estar ali no local. Com isso, ele para de bater no Arlong e começa a chutar os papéis, atira as escrevainhas pela janela e arremessa as canetas para fora do quarto. Tudo para dizer “Nami, estou me disfazendo de tudo aquilo que te traz más recordações. Já não é mais preciso sofrer“.

Ao final da luta, Luffy destrói toda a fortaleza enquanto dá o golpe final, pisando na cabeça de Arloong. No meio dos escombros, em um momento de silêncio e com poucas forças que ainda lhe restava ele grita “NAMI! VOCÊ É A MINHA COMPANHEIRA!!!“. Essa fala acabou com a Nami. Toda a dor, todo o peso, todos os anos de sofrimento estaria para acabar já que o mal havia sido cortado pela raiz. Em uma prova de não julgar pelo o que uma pessoa faz e sim pelo o que ela realmente é por dentro, Luffy se deu por completo para ajudar aquela que um dia já dividiu ótimos momentos juntos.

Subir a bordo ou abandonar o navio?

Assim como Nami, nos vemos em uma bifurcação. Escolher acompanhar estes jovens tripulantes até o fim dessa jornada ou abandonar o navio? Para Nami, Luffy foi aquele quem trouxe o seu sorriso de volta. Em um impasse de ir ou não ir, na frente da porta de sua casa, ela sente um empurrão vindo de suas costas levando-a  para fora. No momento que ela se vira, não havia ninguém atrás, logo entende que era a alma de sua falecida mãe adotiva, Bellemere, dizendo: Vá correr atrás de seus sonhos, Nami.

Para nós, que acompanhamos uma saga inteira por mais de 95 capítulos do mangá e 44 episódios do anime, notamos que este arco do Arlong era na verdade uma forma resumida do que seriam todos os outros grandes arcos que ainda viriam pela frente. E agora cabe a nós decidir, continuamos ou paramos?

No meu caso, resolvi apostar no bando do Chapéu de Palha e zarpar à bordo para descobrir quais aventuras nos esperam, quais dificuldades teremos de superar e até onde conseguiremos chegar. Eu digo “nós” porque na minha visão, o próprio Eiichiro Oda tenta unificar a sua história com os seus fãs, tentando fazer com que mergulhemos juntos nessa história cheio de mistério, aventura e diversão. Não estou dizendo que é o melhor, mas para mim este é o arco de battle shounen mais importante para um fã de anime que me tornei hoje.

Talvez o texto tenha ficado um pouco longo, mas espero que tenha conseguido transmitir um dos muitos assuntos que One Piece poderia proporcionar, além de justificar toda a minha paixão por esta obra. Se você teve a mesma experiência ou algo que deseje acrescentar, deixe aqui nos comentários para debatermos posteriormente. Eu vou ficando por aqui e até o próximo texto!