Coragem o Cão Covarde: o amor ante o medo

O horror é, simplesmente, um gênero o qual não consigo apreciar 100%. Não me leve a mal: reconheço que há obras assustadoras fenomenais e dignas de atenção, como os trabalhos do Junji Ito, Corra, Hell Girl, entre outros. O tremor que se espalha pela espinha a partir da sensação do medo apenas não me atrai facilmente, e opto na maioria das vezes evitar produções aterrorizantes. Dito isso, Coragem o Cão Covarde é a exceção a essa regra minha.

Lançado em 1999, o desenho acompanha as desventuras do cachorro ansioso titular Coragem (interpretado por José Leonardo no Brasil) e dos seus donos Eustácio (Domício Costa) e Muriel (primeiramente por Nelly Amaral e depois por Beatriz Loureiro). Vivendo no meio de Lugar Nenhum, espera-se que o cotidiano seja tranquilo e até tedioso, porém, como a maioria de vocês deve saber tendo em vista que esse desenho já tem seus vinte anos, certamente é tudo menos isso.

Monstros, vilões e perigos: essa é a vida desse cachorro, em alerta 24 horas por dia e sete dias por semana. Não dá para respirar um momento sequer: quem virá interromper a sua paz naquele instante? Contudo, mais do que um mero frenesi de inimigos bizarros, o coração do desenho repousa na relação entre Coragem e Muriel. Desde o primeiro episódio é notável esse vínculo sólido, a devoção de um animal desesperado por sua dona ingênua e propensa a entrar em presepadas. É de onde vem tanto o terror, como o riso ou até mesmo a sensibilidade comovente, tão presentes ao longo das suas quatro temporadas.

Um capítulo extremamente marcante que captura esse espírito de compaixão é “A Torre do Dr. Zalost”. O amargurado vilão titular, do alto de sua torre, atira nas pessoas com suas balas de canhão deprimentes, espalhando o sentimento da infelicidade por onde passa apenas para não estar sozinho em sua miséria. Uma vez que ele tem contato com a receita das “ameixas felizes” da Muriel, sua recuperação é instantânea e efetiva. Apenas um pouco de empatia faz toda a diferença.

A mente criativa por trás da animação, John R. Dilworth, sempre teve essa preocupação com temáticas mais humanas e complexas em um cenário beirando o surreal. Em entrevista ao Syfy, comentou um pouco sobre essa responsabilidade narrativa, utilizando até o episódio mencionado acima como plano de fundo: “‘A Torre do Dr. Zalost’ sempre será um desenho meio romântico e nostálgico para mim. Eu o escrevi quando morava em Zagreb, Croácia… [O episódio] é uma lembrança da minha vida na Croácia e aquela torre é baseada em uma que tem vista para toda a cidade. Além disso, ‘Zolost’ é a palavra croata para tristeza… E, é claro, esse impulso psicológico que nós seres humanos temos quando somos incapazes de encontrar felicidade para nós mesmos, e então atacamos todos ao nosso redor.”

Coragem o Cão Covarde foi uma animação de sucesso, com recepção excelente e presença forte no Cartoon Network do início dos anos 2000. Seus 102 episódios exploraram perda, preconceito, ciúmes, vingança, raiva e ao mesmo tempo ensinaram compreensão, diálogo, amor, e devoção. Com cenários marcantes, antagonistas inesquecíveis, e um charme inegável, o desenho equilibra terror, humor, e, acima de tudo, afeto.