Atenção: o texto contém spoilers sobre a trama.
Não é segredo para ninguém que animação é minha técnica narrativa favorita. Não só incessantemente falo sobre o assunto entre meus amigos, como também é o assunto do meu projeto final de curso, assim como é o coração dessa minha coluna semanal. Por essa razão, estou a buscar novas produções em quaisquer plataformas a todo instante. Foi assim que anos atrás botei meus olhos em Infinity Train.
Lançado originalmente como um curta no canal de Youtube oficial do Cartoon Network americano em 2016, a produção de 11 minutos acompanha a passagem da Tulip Olsen pelo Trem Infinito enquanto ela tenta achar alguma maneira de sair de lá e o desvendar o mistério do número em sua mão. Imediatamente, o episódio-piloto chamou a atenção de vários internautas, atraindo muitos fãs ansiosos por mais conteúdo.
Por mais de um ano, os admiradores lamentaram a ausência de quaisquer notícias relacionadas à obra, produzindo conteúdo original e tentando engajar o Cartoon Network para desenvolver a série por completo. Permanecemos desanimados até que em março de 2018, sua minissérie de dez episódios foi anunciada para 2019 e uma nova espera começou.
Seu criador, Owen Dennis é muito grato por essa visibilidade dos fãs. Segundo um comentário feito por ele no subfórum de Infinity Train no Reddit, “Eu ainda sinto-me bastante honrado que todos vocês gostaram tanto do piloto. O suporte transbordante foi definitivamente um fator que ajudou o programa ser aprovado. […] Vocês nos ajudaram a deixar [os executivos] animados para continuarmos nosso trabalho na série! Eles também nos deram liberdades em alguns tópicos que outros programas talvez não tenham, simplesmente porque Infinity Train já tem seus fãs”.
Entusiasmados com a minissérie, sua audiência aguardou diligentemente até 05 de agosto para acompanhar os episódios no Cartoon Network. Tão logo acabou, a maioria só tinha um pensamento em mente: “valeu a pena”.
A história é basicamente a mesma do curta, porém expandindo ideias que os 11 minutos não poderiam contemplar. A protagonista continua sendo a Tulip (interpretada pela Ashley Johnson em ambas versões), acompanhada pelo robô esférico de duas personalidades One-One (uma metade representada pelo próprio criador e a outra por Jeremy Crutchley) e pelo cão monarca de Corginia Atticus (Ernie Hudson). Ela prossegue suas andanças em busca de respostas e de alguma saída, porém o cenário se expande exponencialmente: os pais da Tulip se divorciaram e foi a sua não aceitação das mudanças que a levaram para essa locomotiva misteriosa; o Trem Infinito existe em um espaço-tempo contínuo distinto do nosso e seu exterior é aterrorizante, além de perigoso; há seres trabalhando para a pessoa conduzindo o trem, além de que há razões para seu funcionamento anormal.
Infinity Train é um prato cheio de temas e nuances para o entusiasta de animações: seus ares de suspense mesclam perfeitamente com a construção de mundo de ficção científica, sem abster de comédia. Seus personagens têm suas motivações e objetivos claros e todos soam bastante verossímeis dentro de suas propostas. O mundo e suas regras foram construídos de maneira orgânica, com pistas bem posicionadas nos diálogos e ambientes. A arte é muito competente, aproveitando-se dos seus cenários vívidos e bem desenvolvidos. A trilha sonora é bem atmosférica, complementando com maestria tanto as paisagens tenebrosas como as alegres.
Diante de tantos elogios, no entanto, acho que a qualidade mais louvável de toda a narrativa é sua história. Dennis e sua equipe conseguiram tecer com cuidado os temas sem infantilizá-los e mais ainda: sem deixar pontas soltas para os arcos dos três personagens principais, especialmente a Tulip. A jovem garota, ainda frustrada com as mudanças decorrentes do divórcio dos seus pais, foge de casa no meio da neve sem considerar as consequências. Num primeiro momento, observamos, o que a move, e a aprisiona, são seu escapismo e desejo de reprimir seus problemas.
O número em sua mão, criado espontaneamente uma vez que adentra o veículo, serve como seu norte nas aventuras, sua principal pista para sair de lá, levando em conta a mudança no valor após cada vez que aprendia algo novo.
Ao longo dos dez episódios, nós a acompanhamos conforme ela aprende a aceitar transformações e, ao final dela, confrontar sua adversária e figura oposta, A Condutora. Introduzida apenas como uma figura antagonista, mais a frente sua trágica história é explorada quando a Tulip assiste em um vagão às suas memórias em vídeo. Originalmente conhecida como Amelia Hughes (Lena Headey), ela se confina no trem após a morte do seu noivo. Em profundo luto, Amelia se prende mais à sua dor e, incapaz de seguir adiante, ela começa a mudar a própria realidade do veículo.
É aí, mais do que em qualquer outra área, onde a minissérie brilha: com sua sensível construção, a história nos apresenta duas reações aos problemas que nos rodeiam: aceitação ou negação. Aceitando, podemos crescer e seguir adiante, porém o oposto nos algema ao trauma e nos isola do mundo ou do amor. Tulip superou suas questões pessoais e, resolvida, seu número reduziu-se a zero e pôde sair do trem, seis meses depois de sua chegada. Amelia ainda está lá, presa nos 9340.
Infinity Train é uma série emocionante e digna de atenção. Charmosa e elegante, cativou espectadores ao redor do globo com sua narrativa e temas engajantes. Contido em si mesmo, o programa deixou sua marca e ainda uma promessa: há uma segunda “temporada a caminho”.
Eu não poderia estar mais empolgada.
Você pode assistir ao episódio piloto dublado no canal de Youtube do Cartoon Network brasileiro ou abaixo: