A mente humana é uma máquina misteriosa acima de tudo. Ainda que a medicina e a psicologia ofereçam algumas respostas às questões relacionadas ao comportamento dos indivíduos, é imperfeita a compreensão do estado mental de alguém. As nuances, as camadas de personalidade e neurotransmissores interligadas montam um sistema único que é difícil de definir. Divertida Mente, à sua maneira, consegue oferecer algumas ideias.
RIley Andersen é uma menina de 11 anos que acabou de se mudar do pacato estado de Minnesota para a caótica San Francisco e suas emoções, ou a representação física delas, estão em polvorosa. Alegria, mais do que nunca, tenta manter as outras – isto é, Tristeza, Medo, Raiva e Nojinho – sob controle para a Riley não surtar. A Tristeza em especial, já que a Alegria não a entende e prefere reprimí-la. Um acidente, no entanto, afasta essas duas da Sala de Comando, deixando-as isoladas em algum canto da mente da sua menina, o que descarrilha tudo para a garotinha.
A obra lançada em 2015 preocupa-se em contar duas narrativas paralelas e simultâneas buscando explorar essa temática tão íntima como o panorama psíquico de alguém. De maneira sensível, a aventura interna das emoções funciona a nível metalinguístico, complementando a jornada física e externa da garota. Seu diretor, Pete Docter, disse ter pensado originalmente na história em 2009, depois de sua filha – assim como a Riley – ter tido uma mudança de comportamento, tornando-se quieta e introvertida em oposição à sua antiga animação.
“Ela era basicamente aquela personagem. Espirituosa e bobinha, mas aí ela fez onze anos.” disse Docter. “Ela se tornou muito mais reclusiva e quieta. Ela não revirava os olhos literalmente, afinal ela sabia que isso daria em problemas, mas ela dava essa sensação. E isso me pôs a imaginar, ‘O que está passando na cabeça dela?’ Foi aí que eu pensei em emoções como personagens. Isto poderia ser exatamente o que animação faz de melhor. E foi isso que nos levou a essa jornada de cinco anos.”
Não sei como deixar mais claro, mas Divertida Mente é um dos meu filmes favoritos de todos os tempos. É como se todos os fatores se alinhassem perfeitamente para produzir uma combinação de tudo que eu mais gosto. Atuação, por exemplo, é geralmente o fator que eu mais aprecio em qualquer trabalho e aqui está simplesmente espetacular. Não gosto muito dos atores escolhidos para a dublagem no Brasil, porém parece que selecionaram a dedo os intérpretes originais. Amy Poehler é perfeita dando vida à Alegria levando em conta a sua carreira humorística cheia de energia e tom positivo, sem esquecer da sua versatilidade. Phillys Smith também foi uma escolha em cheio, levando em conta o próprio tom de voz melancólico natural da atriz. As duas têm uma química muito boa. Kaitlyn Dias também não passa vergonha perto dos colegas mais experientes, proporcionando uma surpreendente amplitude emocional para uma criança.
Além disso, não é surpresa de que um filme da Pixar tenha uma animação bela. Os cenários são bastante coloridos e criativos, praticamente pulsando com vivacidade. A narrativa, que eu já mencionei aqui, é muito bem amarrada e cheia de nuances. Cada um dos personagens tem sua motivação e objetivos e, embora nem todos sejam tão bem explorados como Alegria, Tristeza, ou Riley, servem bem como alívio cômico e ajudam a desenvolver alguns acontecimentos além do tom.
Mais à frente, no clímax do filme, vemos a Riley isolada de suas relações, frustrada com o mundo e fugindo para o Minnesota. Seu mundo visualmente torna-se mais desbotado e as emoções não conseguem mais controlar a criança. “Aquilo”, pensei com meus botões no cinema, “É uma representação metafórica da depressão”. A menina parecia entorpecida, incapaz até de sentir raiva ou medo. Do outro lado do espectro, Alegria compreende finalmente que a Tristeza é essencial para superar eventos ruins: ela faz a garota diminuir as defesas.
Vulnerabilidade muitas vezes é associada a fraqueza, entretanto, é um entendimento errôneo da palavra. Significa se abrir ao próximo, comunicar-se a um nível muito íntimo para reconhecer que precisa do outro naquele instante. Entendendo finalmente que precisa de ajuda, a Alegria recupera a Tristeza e juntas fazem a Riley cair em si e procurar conforto com os pais que a amam tanto.
Divertida Mente é um filme muito especial para mim que, mesmo anos depois de vê-lo, ainda me faz refletir. É emocionante, criativo, e muito cativante: com sua sensibilidade delicada, a obra me virou do avesso e me deixou vulnerável à sua narrativa.
Divertida Mente pode ser visto no serviço de streaming da Netflix.