Uma noite em Miami narra supostamente o encontro de grandes e famosos nomes da época de 60: Malcolm X, Sam Cooke, Jim Brown e Muhammad Ali. O filme marca a estreia da atriz Regina King como diretora e tem seu roteiro escrito por Kemp Powers, baseado em uma peça de mesmo nome. Distribuído pela PrimeVideo no dia 15 de janeiro de 2021, estrelado por Kingsley Ben-Adir, Eli Goree, Aldis Hodge e Leslie Odom Jr.
Em uma noite de 1964, em Miami, depois da vitória de Ali sobre Sonny Liston, os quatro homens se reúnem em um hotel. Ali ainda se chamava Cassius Clay e se encontrava com Malcolm X, pois ele pensava em se converter ao islamismo. Ali era um grande boxeador, Malcolm X foi um dos defensores do Nacionalismo Negro, Sam Cokee era um cantor e compositor e Jim Brown era um jogador de futebol americano.
O encontro dessas personalidades dá gás a várias conversas importantíssimas, principalmente para a época, mas que poderiam ser exploradas ainda nos dias de hoje. As primeiras cenas nos introduzem ao mundo do boxe, mostrando a luta de Ali e Sonny. Ao mesmo tempo, a vida de Sam Cooke é explorada, os shows que ele fazia que, muitas vezes, sofria boicote por ser em festas para brancos. As pessoas simplesmente levantavam e iam embora. Aqui já vemos esses homens tentando abrir caminho para explorar seus talentos, lutando contra a descriminação. Não temos uma exploração tão grande dos outros dois personagens, mas isso provavelmente se deve ao fato de que a história de Malcolm X, por exemplo, já foi explorado inúmeras vezes. Só o fato de o nome dele estar incluído, já chama a atenção e serve para dar ainda mais foco a outras personalidades que viviam na mesma época e tinham contato com ele.
O filme, sendo baseado em uma peça, usa aquele artifício de ter a maioria de seu tempo rodado em uma locação só, neste caso, o quarto de hotel aonde os quatro personagens estão. Além de algumas cenas externas para estabelecer a conexão entre os fatos. Regina King soube direcionar os quatro atores, fazendo com que cada um tenha falas importantes e momentos de destaque. A fotografia não chama tanta a atenção, mas a trilha é ótima, principalmente com a canção A Change is Gonna Come, do Sam Cooke. Uma música, aliás, que é destaque no filme.
A inspiração para que Sam Cooke mostrasse sua música ao público veio da conversa dele com Malcolm, que traz pontos-chave para as maiores discussões durante a trama. Todos possuem um lugar importante de destaque na sociedade da época, o que chama a atenção das pessoas, tanto para o bem quanto para o mal, e Malcolm traz a tona uma questão importante: se eles deviam ou não usar seus lugares de destaque para chamar a atenção a questões importantes.
Isso é algo que até hoje se debate. Se você tem um lugar de destaque (ultimamente, muitas vezes na internet) e, principalmente, se você é de alguma minoria, esperasse que você use sua voz e alcance para chamar atenção para assuntos pertinentes. Mas há também o fato de que mesmo que você use sua plataforma para falar de outros assuntos, o fato de você estar em destaque já chama atenção para a minoria da qual você faz parte, já é um grande progresso.
Para Malcolm X não era assim. Na conversa que ele tem com Sam Cooke, ele fala que Sam não usava sua música para falar de assuntos importantes, apenas coisas superficiais, diferente de uma música do Bob Dylan, um branco, que ele toca para todos ouvirem. Música essa, que conversava com a luta pelos direitos dos negros. Malcolm provoca propositalmente e, no fim, Sam já estava compondo músicas importantes, como a A Change is Gonna Come, que ilustra muito bem a situação da época.
Outra conversa importante que temos é a de Malcolm com Jim Brown. O jogador fala para Malcolm que existem muitos racistas descarados, mas que o que mais o irritava eram as pessoas brancas que achavam que estavam fazendo um grande sacrifício ao simplesmente tratá-los como seres humanos. Pior, esperavam um agradecimento. Ou seja, na luta antirracista, brancos não são salvadores ou fazendo um grande esforço porque, afinal, isso é ser simplesmente humano e deveria ser a regra.
A questão religiosa também é levantada quando Cassius Clay se encontra com Malcolm para os dois rezarem e quando o boxeador conta aos outros que se converterá a religião islâmica e mudará de nome. Sam e Jim ficam meio surpresos e duvidam do porque Cassius tomou essa decisão. Aqui vemos um pouco do preconceito a essa religião, que veio a ser mais descriminada nos anos que viriam a se seguir, principalmente nos anos 2000.
Uma noite em Miami é um filme muito bem construído, com um quarteto de atores que tiveram um ótimo entrosamento e uma direção cuidadosa, dando destaque a todos os personagens. Trazendo discussões pertinentes e até mesmo tópicos nos quais não pensamos muito sobre. De forma sucinta, sem ser repetitivo, o roteiro também é cheio de diálogos marcantes.
O filme foi indicado a três Oscars, incluindo Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Canção Original e Melhor Ator Coadjuvante (Leslie Odom Jr.).