Dois Estranhos – O ciclo do racismo

Two Distant Strangers (Dois Estranhos), nome original do curta, foi escrito por Travon Free e dirigido por ele mesmo e Martin Desmond Roe. Estrelado por Joey Badass e Andrew Howard,  a obra escancara o racismo nos Estados Unidos.

SINOPSE

Carter é um designer gráfico que, depois de passar uma noite com uma jovem, quer voltar para casa e encontrar seu cachorro, contudo, a tarefa simples se mostra mais complicada do que parece. Carter é morto repetidas vezes por um policial branco, ficando preso em um looping temporal, acordando sempre no mesmo dia para reviver sua morte.

O filme possui 29 minutos e está disponível na Netflix. Além disso, Dois Estranhos está indicado ao Oscar 2021 de Melhor Curta Metragem de Ficção.

INOVANDO O CLICHÊ TEMPORAL

Essa premissa de uma pessoa reviver um dia de novo e de novo não é original. Mas o filme consegue usar muito bem essa premissa para trazer ainda mais atenção a um tema muito importante. Claramente inspirado pelo movimento Black Lives Matter e o assassinato de George Floyd, Dois Estranhos resume muito bem a situação pela qual os Estados Unidos passaram no ano passado. Não só no ano passado, claro. O racismo sistêmico e a violência policial sempre existiram e continuam existindo. A perseguição da polícia está escancarada no filme.

Ao sair do apartamento da namorada, Carter para na calçada, acende um cigarro e mexe em sua mochila. Dela caem um maço de dinheiro dele e Carter esbarra em um estranho. Tudo isso é suficiente para chamar a atenção de um policial, que aborda a personagem fazendo várias perguntas. Por fim, acaba o matando.

Depois disso, Carter acorda sempre no mesmo dia e morre de diferentes formas. Não importa a ordem em que acontecem as coisas ou o que ele faz de diferente, o policial sempre o mata. Depois que percebe a situação, Carter faz de tudo para evitar sua morte. Até mesmo conversar diretamente com o policial, mas nada adianta. Vemos aí que, na maioria das vezes, mesmo conversando com essas pessoas, o preconceito delas não muda.

©Netflix

UM CICLO INQUEBRÁVEL?

O fato de o protagonista reviver várias vezes o mesmo dia tem um significado ainda maior no contexto desse curta. O looping temporal não deixa de ser um looping do que acontece todos dias. Todos dias vemos notícias de assassinatos de pessoas negras pela polícia.

Em Carter está cada pessoa que perdeu sua vida para a violência policial. Carter vive o mesmo dia sempre, pois é como se todo dia fosse o mesmo, de verdade. Vemos que nada muda. Nenhuma forma de evitar o que acontece funciona e Carter sempre acaba morrendo. É isso que acontece, dia após dia, com vidas negras.

Algo interessante de se notar, e algo que fiquei pensando muito depois de ver o curta, é que, no filme, só quem tenta mudar a situação é Carter. Nenhuma terceira pessoa interfere no que acontece. Estaria aí a solução? Não seria essa uma forma de quebrar o ciclo do racismo? Se uma terceira pessoa tivesse interferido na situação, tentado ajudar Carter, conversar com o policial, será que algo de diferente aconteceria?

Cabe a todos nós fazer algo para tentar quebrar esse ciclo. Somente ficando de braços cruzados, sem agir, estamos sendo coniventes com o racismo. Nada mudará se não fizermos nada.

©Netflix

É ASSIM QUE AS COISAS SÃO”

O curta termina com uma bela homenagem a todas as vidas negras perdidas graças ao abuso de poder de policiais brancos. Além de George Floyd, vemos diversos nomes, de pessoas que não estavam fazendo nada de errado. A única coisa em comum: a cor de suas peles.

Carter fala diretamente com o público, olha para a câmera desafiadoramente, e diz que voltará para casa. É triste, pois sabemos que, como várias outras pessoas, Carter não chegará em casa.

Dois Estranhos usa muito bem a situação atual dos Estados Unidos e do mundo para chamar ainda mais atenção ao movimento Black Lives Matter e escancarar mais ainda a violência policial.

O filme termina com uma música “The way it is, com um trecho que diz: é assim que é. Algumas coisas nunca mudarão. A música toca enquanto na tela sobem os nomes das vítimas da violência. Fica o questionamento se realmente as coisas um dia mudarão ou não. Toda a letra da música combina com o que acontece no curta e nos deixa pensativos.