Aproveitando que nessa semana, no dia 25 de março foi comemorado o Dia Nacional do Orgulho LGBTQIA+, resolvi indicar aqui um filme nacional bem pouco conhecido, mas que acho muito lindo.
Como esquecer é um longa-metragem de 2010 dirigido por Malu de Martino, com Ana Paula Arósio no papel principal. A história é centrada em Júlia, uma professora universitária de literatura, que precisa superar a dor de ter sido deixada por Antônia depois de um relacionamento que durou 10 anos.
O peso do tempo está sempre presente na história, assim como as memórias do relacionamento das duas personagens, o que deixa o roteiro com uma grande carga dramática, diretamente ligada ao livro de Myriam Campello, Como esquecer – Anotações quase inglesas, o qual deu origem ao filme. Há passagens que são tiradas diretamente do livro, sendo bastante poéticas, mostrando o lado mais íntimo de Júlia.
O filme abre com cenas de vídeos da personagem principal em uma viagem à Inglaterra. Essas imagens são captadas por Antônia, que em nenhum momento do filme aparece em tela, agindo quase que como um fantasma que não podemos enxergar, mas que ainda assombra Júlia como se estivesse presente o tempo todo.
“Você conhece uma coisa mais real que um fantasma?” essa é a pergunta que Júlia faz ao seu melhor amigo, Hugo (Murilo Rosa) e que dá o tom ao filme. É interessante notar também que, nas imagens de vídeo, Júlia aparece comprando o livro O morro dos ventos uivantes, de Emily Brontë, uma das escritoras citadas no decorrer do filme.
Brontë é a autora dessa obra clássica da literatura inglesa, que conta a história de um amor tão intenso que passa a ser doentio, além de ter personagens muito depressivos e uma atmosfera que combina bastante com a do filme. A personagem de Júlia é carregada de melancolia e possui uma visão totalmente pessimista sobre o mundo, contrastando com os outros personagens, principalmente Hugo.
É clara a relação criada entre escritoras inglesas e a personagem de Júlia. Além de Emily Brontë, Virginia Woolf também é citada. Outra grande escritora de língua inglesa que cometeu suicídio se afogando em um rio perto de sua casa. Na cena em si, Júlia acabou de voltar para seu ambiente de trabalho na universidade.
Em meio a um debate sobre a obra de autoras inglesas como Virginia Woolf, em comparação com uma escritora brasileira, Júlia defende a importância da obra da inglesa, até deixando um pouco de lado a parte emocional da escritora. A depressão foi algo que inspirou muito as obras de Virginia Woolf e isso transparece em sua escrita.
O fato de Júlia não dar muita atenção a isso pode ser uma forma de negação da personagem ao seu próprio estado mental, pois, ao longo do filme, Júlia nega diversas vezes precisar de ajuda e tenta afastar todos que estão ao seu redor.
Uma personagem que age quase como uma antagonista de Júlia é Carmen Lygia (Bianca Comparato). Aluna de Júlia, ela está sempre batendo de frente com a professora, desafiando-a. Na discussão sobre Virginia Woolf , ela aponta o fato de Júlia ignorar o suicídio de Woolf e critica muito a frigidez que percebe nas obras de escritoras inglesas. Fazendo um paralelo com a própria Júlia, criticando como ela está lidando com sua situação atual. Há algo que impossibilita Júlia de seguir em frente, mas ela mesma não quer enxergar, e se esconde cada vez mais dentro de si mesma.
O filme segue com Hugo tentando mudar a visão de Júlia do mundo, tirando-a do ambiente depressivo do apartamento que ela dividia com Antônia. Mas, mesmo assim, a protagonista se vê presa ao passado e a atitudes que apenas a machucam ainda mais. Uma cena que marca é quando Júlia pede para ser amarrada, sendo deixada sozinha em casa. A única coisa é o silêncio seguido do toque incessante do telefone. A evolução emocional de Júlia piora cada vez mais, chegando a um estado de depressão profunda.
A única pessoa que consegue de certa forma trazer alguma luz ao clima soturno do filme é a personagem de Helena, que aos poucos derruba as barreiras impostas por Júlia e as duas vivem um caso de amor. O silêncio mais uma vez é utilizado, como o som da chuva sendo o único som em algumas cenas, e também a cena em que Helena e Antônia estão juntas, e o único som é o do mar, ditando o clima da cena.
“Qual será que é o contrário do amor?” Júlia questiona em determinado momento do filme, e essa é uma pergunta que fica ecoando na mente de quem assiste ao filme. Na época em que o longa foi lançado, estavam acontecendo as eleições no Brasil, e algo que era muito notado sobre as pessoas era a indiferença, talvez exatamente a resposta que Júlia procurava.
Talvez o contrário do amor seja a indiferença, assim como Júlia, que ignora seu estado emocional decadente, as pessoas da época não estavam dando muita atenção à situação política do Brasil. A indiferença também é notada na personagem de Antônia, através de sua ausência, assim como as cenas de silêncio do filme.
A trama chega ao fim com um ciclo sendo fechado. A cena final de Antônia caminhando até o mar e encontrando uma garotinha que ela já havia visto em outra cena, remete a própria Júlia, uma volta ao seu começo, um renascimento. Júlia deixa Helena, optando por não ter um relacionamento novo tão cedo, mas sim, escolhendo encontrar a si mesma e focar no seu eu interior.