Há quem diga que o silêncio tem muito a nos dizer e em “A Voz do Silêncio” (Koe no Katachi) não se faz diferente. Irei explicar para vocês o porquê ao longo da nossa leitura.
Esta emocionante e comovente animação japonesa é um longa-metragem, produzido em 2016 pelo estúdio Kyoto Animation, e dirigido por Naoko Yamada. A animação é uma adaptação do mangá de mesmo nome criado pela mangaká Yoshitoki Oima. Sua obra fez muito sucesso por tratar sobre o bullying, amadurecimento, amizade, família, depressão e superação; assim como outros assuntos sendo todos abordados de forma bastante atenciosa. Apesar de ser considerado um drama romântico, a adaptação trata de temas e situações bastantes realistas.
Yoshitoki Oima – Mangaká e autora de Koe no Katachi (2013).
O enredo tem seu início em torno de Shōko Nishimiya, uma estudante do ensino primário que tem uma deficiência auditiva, ou seja, ela não consegue ouvir. O longa começa com Nishimiya chegando em sua nova escola após ter sido transferida, porém, com o tempo, a recepção de seus colegas de classe a garota acaba por se tornar intimidação. Por causa das ofensas e agressões feitas principalmente por Shouya Ishida (segundo protagonista na história), um dos valentões de sua classe, sua família sente-se forçada a mudá-la de colégio.
Mas afinal, você sabe o que “A Voz do Silêncio” tem para nos ensinar?
Aviso: Este artigo contém spoilers de “A Voz do Silêncio” (Koe no Katachi). Quem ainda não assistiu ao filme, ela se encontra disponível na Netflix.
Agora que dei uma introdução a um dos arcos do filme (talvez um dos principais), gostaria de chamar mais a atenção de vocês para estes dois protagonistas que, no decorrer do enredo, sofreram bullying ou exclusão social durante suas infâncias, passando cada qual por situações complicadas, traumas sociais e psicológicos que os fizeram tomar atitudes bastante desesperadoras já na adolescência, perto da idade adulta, mas à medida que a história vai avançando e progredindo, eles vão conseguindo superá-las, cada um em seu respectivo tempo. Mas como tudo tem a seu próprio momento, nesta matéria irei dedicar apenas a infância de Nishimiya e Ishida.
Infância:
Começando na infância da estudante Nishimiya, a garota que sofre com deficiência auditiva, é transferida para sua nova escola e lá ela tenta fazer novos amigos, se comunicando com seus colegas através da língua dos sinais (atualmente é chamada de Nihon Shuwa no Japão e também é conhecida como JSL, que significa Japanese Sign Language – língua de sinais japonesa).
Ou com a ajuda de seu caderninho, onde ela usa para se apresentar para sua classe, se comunicar, tirar dúvidas, interagir com os professores, colegas, dentre outras necessidades.
Em consequência de seu problema auditivo, a protagonista sente dificuldades em falar, de pronunciar palavras sem ruídos, mesmo tendo feito aulas para melhorar sua dicção vocal. Por causa disso, logo de início virou alvo de estranhamento pelo seus colegas.
Como era algo ainda desconhecido, novo e considerado “anormal” pela turma de sua classe, ela inicialmente é recepcionada e acolhida porém com o tempo acaba sendo julgada, virando alvo de piadas, sendo ofendida e até mesmo humilhada, principalmente pelo seu colega de classe Ishida que além de receber suporte dos demais da classe, recebeu vista grossa de seu professor.
Shōko teve um convívio de poucos amigos na escola. Mais precisamente apenas com uma a qual podia conversar, pois os demais com o tempo foram perdendo interesse em como falar com ela diante da dificuldade de se comunicar através do caderno ou de aprender o JSL. Apenas uma colega classe (Sahara Miyoko) de Shōko decidiu aprender a linguagem, porém pouco após o início dessa amizade ambas precisaram se separar após sua colega precisar se mudar. Essa mudança trouxe maus olhos a Nishimiya e com isso ela passou a ser “culpada” pelos outros e sofrer mais maus tratos vieram contra a nossa protagonista.
Sempre com um sorriso bondoso no rosto, a diversos momentos em que Shōko demonstra querer fazer amizade, principalmente com o Shouya, mas o garoto acabava não entendendo, sempre a achando estranha, chegando até a sentir raiva da garota por ela tentar se aproximar dele.
Por não entender aos seus gestos de amizade, a maneira que Shōko se comunicava com seus colegas e até mesmo os pedidos de desculpas que a garota fazia ao se sentir culpada por algo que dava errado, Ishida a tratava sempre com ignorância, com um certo nojo ao senti-lá lhe tocando, chegando até a agredi-la e feri-lá em alguns momentos da história.
Podemos ver em diversos momentos os aparelhos auditivos sendo puxados do ouvido de Shōko e danificados. Em uma das cenas, é mostrado o caderno que ela usa para se comunicar ou fazer as anotações das aulas sendo jogado em uma fonte e ela indo buscar. Durante essas brincadeiras e agressões, seus amigos acabam sempre achando engraçado nas coisas que Ishida fazia com a estudante, porém em nenhum momento o garoto é repreendido pelas autoridades do colégio, mostrando assim “vista grossa” dos professores com a situação.
Outros personagens ganharam destaque na obra e são importantes em ambas as fases, como a personagem Miki Kawai, que de inicio demonstrar ser uma pessoa bondosa, querendo ser amiga e ajudar a Nishimiya, mas passa a ser conivente com tudo que seus colegas fazem ao ficar calada e achar graça nas situações constrangedoras que sua colega passa. Em um dos momentos, quando o professor pede para apontar quem danifica os aparelhos auditivos de Shōko e pratica bullying, Kawai simplesmente se faz de vítima e não saber dos acontecimentos.
A outra personagem é a Naoka Ueno, que também de inicio ajuda Shōko com as anotações das aulas escolares, mas com o passar do tempo ela começa a sentir antipatia pela garota, por achar que a Nishimiya a está atrapalhando, prejudicando nas aulas, e até se fazendo de “vítima”, passando a praticar bullying assim como os outros. A Ueno volta na fase da adolescência, sendo um dos pontos mais importantes no desenvolvimentos dos protagonistas, assim como a Miki Kawai, mas irei abordar com mais detalhes sobre elas na segunda parte do artigo.
Vale destacar que após os abusos que Ishida cometia contra Shōko, a mãe da garota prestou reclamação na diretoria da escola pelo que a sua filha sofria sem hesitação dos colegas de classe, que o apoiaram nas “brincadeiras” feitas contra a garota. Com isso, o professor que fazia vista grossa o aponta como culpado por tudo que era feito. O garoto acaba sendo punido e excluído do seu ciclo de amizade, de suas atividades, além de fazer com ele as mesmas humilhações e agressões que faziam com a Nishimiya.
Com isso, Shouya sentiu na pele e em sua mente o que era ser a vítima, porém entender as consequências e profundidade do que ele mesmo fez durante a sua infância seria algo o qual apenas viria a ser apresentado com o seu amadurecimento e no período de sua adolescência.
A Voz do Silêncio ou Koe no Katachi traz discussões sobre traumas psicológicos, dificuldades de comunicação e expressão; tratando principalmente sobre bullying, depressão, auto-aceitação e superação, tendo a proposta de nos ensinar e mostrar como é importante ouvir ao outro, se comunicar e procurar entender ao próximo e a si mesmo. Atualmente estes assuntos estão tendo mais atenção, já que o problema pode fazer com que a pessoa se retraia, guarde sentimentos negativos, como tristeza, raiva…; e assim levar a sérias consequências dependendo da proporção da situação.
Se estiver precisando de ajuda ou suporte psicológico, principalmente neste momento de pandemia, você pode entrar em contato com a CVV (Centro de Valorização da Vida) pelo número 188 ou clicando no link que disponibilizamos, para mais informações ou saber outras formas de contato: https://www.cvv.org.br/quero-conversar/.
No Brasil a obra pode ser encontrada no seu formato original (mangá) pela editora NewPOP, e em sua adaptação para filme pela Netflix (dublado e legendado).
Espero que tenham gostado da primeira parte da matéria. Na próxima irei abordar sobre a fase adolescência dos personagens principais. Nos vemos em breve.
