O Conto da Princesa Kaguya: Analisando a animação de Isao Takahata

O Conto da Princesa Kaguya

Cofundador do Studio Ghibli, Isao Takahata dirigiu vários filmes, e entre eles, o último de sua carreira, O Conto da Princesa Kaguya é um filme em que sua história é baseada em um conto japonês. Além de uma narrativa muito interessante, podemos analisar alguns pontos de sua animação. 

Isao Takahata, junto com Hayao Miyazaki e Toshio Suzuki, fundaram o Studio Ghibli no ano de 1985. A ideia deste novo estúdio era produzir animações de alta qualidade, cuidadosamente desenhadas e com enredos bons. Tudo isto no tempo desejado, com um tempo maior de produção, diferente de produções de animações seriadas, em que eles trabalharam anos anteriores. 

Assim, com a proposta inicial do Studio Ghibli, Isao Takahata, além de produzir obras com roteiros muito bem feitos, ele também conseguiu deixar um marco no Studio Ghibli e na animação japonesa, trazendo autenticidade em suas animações. Portanto, vamos analisar como essa autenticidade conseguiu ser transmitida no filme do O Conto da Princesa Kaguya.

Enredo de “O Conto da Princesa Kaguya”

O Conto da Princesa Kaguya,  ou seu nome em japonês, Kaguya-hime no Monogatari, filme de 2013, é adaptado do conto japonês “O Cortador de Bambus”. A protagonista Kaguya é encontrada dentro de um brilhante talo de bambu. Passa-se o tempo e ela se transforma em uma bela jovem que é cobiçada por 5 nobres, dentre eles, o próprio Imperador. Kaguya, não querendo nenhum deles, acaba enviando seus pretendentes em tarefas aparentemente impossíveis de serem realizadas. Assim, Kaguya terá que enfrentar seu destino e punição por suas escolhas. 

Com este roteiro, O Conto da Princesa Kaguya trabalha com pontos complexos de uma tradição de um povo que não conhecia os absurdos dos tempos modernos, como também o silenciamento das vozes femininas. Além disso, é mostrado no filme o amadurecimento e crescimento da personagem Kaguya. O Conto da Princesa Kaguya chegou a ser indicada à categoria de Melhor Animação da premiação do Oscar no ano de 2015.

Análise da animação

O Studio Ghibli é conhecido pelo detalhamento de sua animação, ou seja, em seus filmes, a busca de detalhes de movimentos e expressões dos personagens para compor uma cena é um dos pontos cruciais dos filmes de Takahata, e também do diretor Hayao Miyazaki. Já Takahata, sempre deixou claro que tentava buscar uma autenticidade na composição das ações de seus personagens, e isso fica claro no mini documentário Looking for Reality de 2014. No documentário, é mostrado que Takahata queria que os espectadores absorvessem os detalhes da animação, onde os movimentos detalhistas dos personagens nos façam lembrar e sentir em como as ações são verossímeis.

Podemos dizer que Takahata, enquanto estava no Studio Ghibli, conseguiu trabalhar com vários estilos de animação. Falando brevemente de outros filmes do diretor , em Memórias de Ontem (1991), para criar as expressões dos personagens, Takahata quis capturar a performance dos dubladores e modelar os personagens sobre isso, sendo diferencial do que animações comuns, em que a animação é feita antes da dublagem. Já em Meus Vizinhos os Yamadas (1999), contamos com uma animação feita digitalmente, com base em uma paleta de cores de pintura de aquarela. 

Em “O Conto da Princesa Kaguya”

Especificamente em O Conto da Princesa Kaguya, temos dois pontos na animação que merecem destaque: A autenticidade da ações dos personagens, a marca de Isao Takahata e do Studio Ghibli, mas também em como a animação poderia expor os sentimentos internos da protagonista Kaguya

Falando da autenticidade, acompanhamos praticamente a vida de Kaguya. Desde que ela apareceu no caule de bambu, vivendo na pequena casa dos seus pais e depois sua rotina após enfrentar os conflitos de ter que escolher um dos 5 nobres para casar. Falando da parte inicial, o interessante é acompanhar como Takahata trabalha detalhadamente em mostrar cada momento da protagonista. Seja um momento mais descontraído, como Kaguya engatinhando, brincando com os sapos, imitando os animais… Ou um momento que faça mais parte da narrativa.   

Uma das cenas que mais chama atenção sobre a autenticidade é quando Kaguya e o personagem Sutemaru estão comendo um melão. É mostrado os personagens cortando a fruta, pegando um pedaço e mastigando. Isso tudo com certa autenticidade em como nós cortamos e comemos a fruta. No documentário Looking for Reality, é mostrado como Takahata buscou animar a cena, pedindo para um dos animadores da equipe para cortar a fruta e come-lá, em frente de toda a equipe, para mostrar detalhadamente como a animação precisava ser composta. 

Podemos fazer uma comparação entre essa cena de Kaguya com a cena do filme O Túmulo dos Vagalumes, de 1988, também dirigido por Isao Takahata. No filme, Seita corta uma melancia para Setsuko. Mas diferente de Kaguya, a cena em O Túmulo dos Vagalumes não ficou verossímil, Seita corta a fruta de um jeito diferente, de um jeito que nós não estamos acostumados a cortar na vida real. Insatisfeito em como essa cena foi animada, Takahata procurou estudar melhor cada movimento, seja o movimento mais simples  ou complexo possível para compor a cena. A cena do corte da fruta se repete em Memórias de Ontem, quando a família acaba cortando um abacaxi, de um jeito mais fiel.  

O “lado emocional” da animação

Quando Kaguya cresce, e começa a vivenciar os conflitos internos no filme, a proposta de Takahata então é demonstrar os sentimentos que a protagonista está sentindo, como revolta, insatisfação e insegurança. Isso tudo na composição da animação. Para demonstrar esse sentimento de revolta na animação, os detalhes do quadro ficam diferentes, tendo um traço mais grosso e bagunçado fazendo o espectador sentir a desordem que Kaguya sente. 

Uma cena que podemos citar que mostra essa mudança de animação é quando Kaguya sai correndo após ouvir uma conversa em que os homens estão discutindo sobre ela. Ela sai correndo, esbarrando em tudo, até correr em um campo mais aberto. Nesse momento, as emoções de Kaguya estão no ápice, sendo refletidas totalmente na animação, parecendo que o animador não tem mais controle sobre a animação. E o mais interessante é que, mesmo que a animação acabe mudando, ainda temos a sensação de realismo e autenticidade, mas dessa vez, focado em mostrar o que Kaguya sente.  

O encanto nas obras de Isao Takahata

Isao Takahata conseguiu trazer um grande marco no mundo da animação. O Studio Ghibli consegue se diferenciar de outros estúdios, já que o mesmo conseguiu propor mais tempo de produção de seus filmes, conseguindo elaborar roteiros interessantes e animações mais fiéis. Assim, Takahata conseguiu estudar os movimentos e produzir animações com produções diferentes mas com um único propósito: trazer autenticidade em suas animações. 

Takahata conseguiu também se destacar com seus enredos leves e singelos, que retrata o cotidiano de seus personagens da forma mais realista possível. Com esses dois pontos, o enredo e a animação, Takahata trouxe aos fãs de animação japonesa um diferencial, onde seu falecimento em 2018 foi uma grande perda para a indústria de animação. 

Para uma análise mais completa sobre a animação em outros filmes de Isao Takahata do Studio Ghibli, indico o texto que produzi no site Chimichangas sobre o diretor. E para uma análise em geral, indico o texto de Amanda Dultra aqui no site do NSV Mundo Geek.