A adolescência é um período estranho. Ninguém precisa ser dito isso: você, eu, e todo o resto do mundo pós-infância sabe da confusão de incertezas que define esse estágio de crescimento. É um momento de quebra de paradigmas, o qual tentamos nos desvencilhar do que já existe e criar uma identidade nova, só nossa e de mais ninguém. É nessa agonia existencial onde conhecemos Shigeo Kageyama, ou, simplesmente, Mob.
Mob Psycho 100 é uma obra muito peculiar, antes de mais nada. Baseado no mangá homônimo do ONE (autor também de One Punch-Man) e atravessado pelos gêneros de comédia, ação, e sobrenatural, o desenho aborda o dia-a-dia de Mob, um protagonista atípico de Shonen. O garoto, que na superfície parece apenas um figurante, é um rapaz sensível de 14 anos com impressionantes poderes espirituais que trabalha como assistente do exorcista desonesto Arataka Reigen. Em um primeiro momento, essa premissa engana ao oferecer um falso conforto na sua simplicidade, porém logo essa máscara desaba.
Mob sente-se desconfortável em sua própria pele: por que ele não é mais parecido com seu irmão mais novo, o Ritsu Kageyama? Ritsu é alto, forte, e bom aluno. O Shigeo é uma pilha de nervos com a responsabilidade do seu enorme poder, o qual é intensificado com as suas emoções. Dessa maneira, o rapaz conclui, se ele reprimir seus sentimentos e desejos, não será uma ameaça para as pessoas ao seu redor. No entanto, como qualquer bom profissional da psicanálise pode dizer, restringir as próprias emoções é um hábito extremamente danoso. Quando o Shigeo alcança seu limite, o 100% de turbulência interna, destruição iminente está por vir.
Há quase um século, o famosíssimo psiquiatra Sigmund Freud introduzia ao mundo conceitos pertinentes às estruturas do aparelho mental (ego, id, e superego), isto é o complexo psicofísico o qual estipula o ajuste entre o indivíduo e o ambiente onde esse habita. Esse sistema determina a personalidade do sujeito a partir de como os estímulos externos o afetam, elaborando um tratado de funcionalidade entre os seus impulsos mais primitivos (id), as regras e normas da sociedade (superego), e aquilo que mostramos ao mundo (ego). De tanto conter o próprio id devido ao medo do seu potencial destrutivo, Mob tem um ego instável, sem noção clara de quem ele pode ser de verdade. Mais do que exorcizar espíritos vingativos, o desafio do protagonista é descobrir sua identidade.
Entretanto, felizmente para o nosso tímido e reprimido personagem principal, Mob Psycho 100 é uma série que valoriza o crescimento individual, expondo o Shigeo a situações as quais a solução repousa sobre comunicação, isto é, a expressão clara de intenções e anseios. Ainda que ele não se transforme por completo, é belo acompanhar o desenvolvimento do Mob em um sujeito mais sincero consigo e com outrem, mantendo a sua perseverança e compaixão.
A animação é estonteante, assinada pelo estúdio Bones e dirigida pelo Yuzuru Tachikawa, trazendo à vida os designs simples porém marcantes do ONE com uma fluidez surpreendente. A dublagem brasileira é uma das melhores que eu ouço em muitos anos. O ritmo é empolgante e hilário. Os personagens são muito bem explorados em cena, permitindo instantes genuínos e emocionantes. A primeira abertura, inclusive, encapsula com maestria a temática e o espírito do programa: “Se todo mundo não é especial (sic)/talvez você possa ser quem você quer ser/mesmo se estiver sobrecarregado pela felicidade e tristeza/A sua vida é sua, ok?/Tudo bem em não ser especial”. Tudo bem em ser apenas um jovem que está aprendendo quem é, e não se destacar na escola, afinal você é quem escolhe o seu próprio caminho.
Lembrando que você pode encontrar Mob Psycho 100 (dublado ou legendado) na Crunchyroll.