Made in Abyss: Fitando o Abismo a procura de respostas

A adaptação do web mangá de Akihito Tsukushi deu o que falar em 2017, um dos animês estreantes mais populares do ano, além de um dos mais aclamados. Aliás, não só valorizado em seu lançamento, como também relembrado até hoje, esse texto é prova disso. Assim, felizmente o animê faz jus aos elogios que recebe, mesmo que a alcunha de “melhor de 2017” seja um tanto exagerada. Ainda assim, existem diversas qualidades neste pequeno espaço de 13 episódios que valem ser citadas. Então, conversemos sobre a primeira temporada enquanto aguardamos ansiosos a chegada da segunda.

Começando pelos aspectos técnicos, eles refletem uma qualidade essencial para o funcionamento da obra: a ambientação. Já que uma história, em primeira instância, sobre exploração e aventura, orgulhosamente, tem como virtude mais notada o detalhismo imersivo. A iluminação e o cuidadoso design de produção, além do cuidadoso design de produção, além da edição de som e trilha sonora em geral, cheia de músicas belíssimas, denunciam a minúcia dedicada a pela produção. Consequencialmente, cada ambiente soa como harmônico e único, sendo um deslumbre a parte, desde um grandioso vislumbre do Abismo até o interior de um pequeno quarto de orfanato, da linda música letrada que fecha o primeiro episódio até o som do vento batendo nas paredes do Abismo. Todos os ambientes partilham de um idêntico espírito, todos são vivos, algo impressionante.

Assim, essa vivacidade contribui, de forma  imprescindível, para aflorar o que há de melhor no animê, o conceito que dá nome à obra, o Abismo. Motivo para tal é que, todo o universo criado, os personagens, além do mais importante, o tema, giram em torno dele, ele é a força motriz do enredo. Sendo notável o modo como tudo é construído em cima de uma ideia tão ampla, e,  justamente por ser tão ampla, tão genial. 

Aprofundando-me na concepção, o Abismo é como a personificação do desconhecido. Desconhecidamente infinito, um local único e imprevisível que possuí suas próprias regras, natureza e cosmologia. Ele desafia os efêmeros humanos a desvendar seus enigmas, anseia pela exploração dos mais corajosos e curiosos, a procura de respostas, que, talvez, nem existam. Aliás, é exatamente isso que nossos protagonistas e diversos personagens fazem aqui, procuram respostas no desconhecido.

Logo, não sendo só um enriquecimento temático, mas também fator pelo qual nos põe na pele das personagens, aumentando imensamente nosso investimento na narrativa. Dado que, os nuances que permeiam o Abismo são muito bem construídos, tornando-o, com auxílio da produção, vivo. Por isso, é uma pena o animê seja tão direto, pois, acaba não possuindo espaço para desbravar, ainda mais, sua vastidão.

Além disso, outra concepção predominante é a dicotomia ardente entre mundo e os personagens. Metaforicamente, e quase que literalmente, o Abismo é como uma ponte para um outro mundo, porém ao mesmo tempo que essa fissura pode ser é encantadora, ela também há de ser amaldiçoada. É justamente esse efeito dos opostos que pauta a narrativa, e a torna ainda mais instigante. Duas crianças, inocentes e puras, submergindo em meio ao desconhecido à procura de respostas. Em um local que simultaneamente atrai nossa admiração pelas lindas paisagens, seres curiosos e todos os seus mistérios, atraem também nosso temor, desespero e angústia, pelas monstruosidades e as ameaças imprevisíveis lá encontrados. Esse dualismo é essencialmente Made in Abyss. 

Os protagonistas, Riko e Regu, no que diz respeito ao tema, apresentam uma coesão imensa com as ideias já explanadas. Ambos infantis, frágeis e otimistas, a procura de respostas, o paradeiro da mãe de Riko e a real essência/identidade de Regu. Portanto, unidos, não só possuem uma dinâmica engraçada e carismática, como também boas trajetórias individuais, além da excepcional sintonia temática. Pois, uma vez no Abismo, são postos à prova várias vezes em sua jornada, não só fisicamente mas também conceitualmente, pelas monstruosidades que confrontam, por personagens como Ozen, e por histórias como a de Nanachi e Mitty, tendo seu ápice no desesperador episódio 10.

Assim, mesmo que Riko seja uma protagonista mais plana que as demais personagens, outros como os já citados no parágrafo passado, apresentam complexidades e contrassensos interessantes em suas composições, que ganham holofotes ao longo da obra e compensam a simplicidade da protagonista. A exemplo temos Regu, que, apesar de se sentir e comportar-se conforme uma criança normal, apresentando inocência e medo característicos da idade, é na verdade uma relíquia desumana que dispõe de incríveis habilidades, braços mecânicos e super resistência. A variação entre a seriedade e o descompromisso com que lidam com a questão é ótimo, tornando-o um bom personagem. Uma vez que, bem como outros personagens, sua relação pessoal com o Abismo é bem explorada, relações essas por vezes mórbidas, contraditórias, inocentes, curiosas e até alienadas.

Logo, encerrando, gostaria de apontar alguns últimos tópicos. O design dos personagens, que é original e foge do padrão da maioria dos animês de temporada, sendo extremamente funcional em exercer a dualidade da série. Ademais o ritmo, que é ágil todavia bastante contemplativo, o que pode incomodar alguns espectadores.

Além disso, da mesma forma como as personagens são atraídas misteriosamente pela vastidão desconhecida do Abismo, contraditoriamente a procura de respostas, confrontando insuportáveis adversidades biológicas, físicas, mentais e psicológicas, de formas mórbidas, alienadas e inocentes, para obtê-las. Quanto disso não espelha nós mesmos, a humanidade em si, quanto não fazemos o mesmo todos os dias? Talvez essa seja parte intrínseca de nós, não? Pois, ao nos depararmos com o abismo desesperador de nossa reles finitude, procuramos irracional e instintivamente por respostas, respostas no inexplicável, no infinito, no desconhecido. Assim como eles, procuramos uma figura para admirar e temer, procuramos Abismos, ainda que no final não encontremos resposta alguma neles, pois, pode ser que elas nem ao menos existam. Mesmo assim, talvez somente estejamos buscando um sentido para se debater inutilmente, como o animal prepotente que somos, entretendo e preenchendo nossas vidas, até a vinda do inevitável. Ainda que, por vezes, pensando estar trilhando o próprio caminho, apesar de inconscientemente sabermos, ou não, que não há outro.

Lembrando que o mangá veio ao Brasil pela Editora NewPOP.