Keep Your Hands Off Eizouken: O animê mais “feio” da temporada e o mais artístico

Se você acompanha os lançamentos de cada temporada e retém alguma conexão com a rede social do passarinho azul, provavelmente já deve estar por dentro de o que é Keep Your Hands Off Eizouken e de todo ruído que este está causando. Portanto, cortemos as formalidades e a cerimônia de apresentação, assim, podemos ir direto para o que interessa. Esta que, até o momento, é a discussão mais fervorosa entre os integrantes da “otakusfera” neste ano. A óbvia feiura desse design! 

Assim, relembrando essa história, posso dizer que, tudo começou a mais ou menos uma ou duas semanas atrás, com a prevalência do vazio, com absolutamente ninguém e alguns memes bem engraçados do Meliodas bugado. Após nada, ocorreu, no dia 6 de Janeiro na Crunchyroll, o lançamento do primeiro episódio do animê feio que está no título, sucedeu-se, novamente, o nada, até que… O abalo ocorreu… Então uma voz ao longe foi ouvida por todos “Um dia vai ter um Top 10 animês com design mais feios de todos os tempos e esse aqui (Eizouken), certamente, vai estar lá”. Após tal trepidação, posso lhe afirmar… O Twitter não continuou o mesmo… Porém, eu, como bom amante de animês feios que sou, não pude deixar de perder a oportunidade de falar absolutamente nada acerca desse o assunto e unicamente observar o caos se instaurar, sendo assim, confesso que me calei. Todavia, estou aqui, atrasado e sem ideias melhores para se escrever um texto, logo, vamos falar sobre o novo animê do Yuasa e algumas das prováveis razões que explicariam a falta de beleza notória deste.

Em vista deste plano, preciso abrir minhas suposições dizendo algo realmente óbvio. O design de Eizouken, mais precisamente de nossas protagonistas, Midori, Sayaka e Tsubame, não é nenhuma obra do pintor renascentista Leonardo da Vinci. Logo, nenhuma das três é alguma Monalisa, nem ao menos alguma versão da mesma travestida por outro zeitgeist, como a Violet de Violeta Jardim-Eterno, uma técnica impecável que retrata de maneira sublime e belíssima a mulher no ápice do padrão de beleza de sua época. Todavia, será que elas precisam ser assim? Quiçá seja este o ponto. A arte precisa ser formada somente por Mona Lisa’s? Ou, transpondo a questão para o “mundo dos animês”, formada somente de Violet’s? Eu acho que, talvez, não, e, talvez, esse seja o motivo mais óbvio desse design ser tão feio. 

Condensando, o que eu quero dizer é que, nem toda ideia por trás de uma obra artística é a ascensão e exaltação do belo a partir da forma mais sublime ao qual o homem pode rabiscar com lápis e borracha, ou pincel e tinta ou até mesmo caneta e monitor. Pode ser que a arte tenha mais do que uma função, pode ser que diferentes artes tenham diferentes objetivos e que isso desemboque em… Diferenças. Então, quando digo que nem todas as obras precisam ser uma Mona Lisa, eu não estou me debruçando sobre uma retórica elitista e colocando essa pintura acima da arte de hoje. Eu estou dizendo, simplesmente, que essas obras possuem intuitos e intenções diferentes, uma amálgama de aspectos muito distintos umas das outras. Elas podem conversar com a sua pessoa de modos e profundidades distintos, a arte possui mais de uma função! Esta é a liberdade que a contemporaneidade nos dá.

Novamente, onde eu quero chegar com isto? Bom, é só um achismo pessoal, todavia, pode ser que, hoje em dia, mundo contemporâneo, pleno século 21, mais precisamente, 2020, o rumo da arte, ou pelo menos seu guia principal, talvez não seja mais a habilidade manual ou refinamento de técnicas tradicionais. Claro, indiscutivelmente reproduzir esses esquemas com perfeição ainda é uma capacidade fabulosa, eu mesmo queria saber recriar um frame de um filme do Makoto Shinkai. Entretanto, em um mundo onde uma das maiores obras de arte do século passado é um mictório denominado A Fonte e uma banana pendurada com fita em uma parede, denominada Comedian, é uma das obras de arte mais comentadas de 2019, podemos deduzir, com certa razão, que o mais importante na arte já deixou de ser refino de técnicas, seletas e restritas, a bastante tempo, claro, talvez nunca deixe de ser isso também, arte é dinâmica e varia com seu tempo, contudo, de longe não é só isso e, quiçá, nunca tenha sido.

Portanto, dessa vez com mais confiança, repito, assim como a arte em sua totalidade não possui só uma função, a arte dos desenhos japoneses alcunhados animês, não é feita só e somente de Violet’s. Desse modo, eu vou tentar explicar o porquê de ter escolhido essa personagem para discutir isto.

Assim, para iniciar esta explicação, necessito contar alguns pensamentos que servirão de base para tal. Visto que, a partir de minhas vivências, cheguei em uma suposição em relação ao assunto. Talvez, no senso comum atual, haja uma certa exaltação inflexível para com uma estética realística em detrimento de outras, principalmente quando se fala de dentro da comunidade otaku, meu foco aqui. No entanto, quando falo sobre arte realística, não me refiro ao realismo, movimento artístico de dois séculos atrás, e sim, me refiro a uma proposta estética atual, a forma de se retratar algo de maneira realística, super detalhada e com aquela sensação de “é quase como se estivesse no mundo real” ou de “praticamente palpável”. 

Pois, diferentemente do realismo, essa proposta realística abrange sim a fantasia e elementos surreais, rotineiramente, contudo, revestidos com esses atributos visuais de super valorização da dificuldade de reprodução e hiper detalhamento nos designs. Algumas vezes, até mesmo sobressaindo sobre outros aspectos como a criatividade ou a mensagem. Como se os únicos que conseguissem atingir algo artístico e bonito sejam aqueles que consigam reproduzir um desenho complexo como o da Violet. Portanto, essa crítica invalida a predileção pela estética realística ou torna esse tipo de arte pior? Não, claro que não, porém outros aspectos também não faz com que elas sejam superiores às demais. É necessário um discernimento de função e um entendimento de diversidade, em todos os âmbitos, mas fundamentalmente na arte. 

Veja bem, não falo sobre pessoas, e sim sobre um modo de se pensar. Os indivíduos são mais complexos do que um texto pode tentar explicar, contudo, essa conversa é a respeito de uma tendência estabelecida no consciente coletivo que conceitua o ápice do belo como tendo essas características, ou ainda, em certos casos, como a própria noção de arte. Consequentemente, fazendo com que desingns como os de Violet sejam considerados inegavelmente lindos, enquanto outros, como o de Eizouken, sejam indagados tão fervorosamente e taxados, de maneira simplória, de feios. Será que realmente existe só um modo para se alcançar a beleza na arte? Por que o design de Violet é obviamente lindo e o de Eizouken não? 

Seguindo a linha de pensamento apresentada, se torna fácil entender o motivo de Eizouken ser feio. Pois, se aquele conjunto de características realísticas é o obviamente muito bonito e artístico é só bater o olho nessas 3 garotas e de cara perceber que elas não possuem nada disso, logo, são feias. Nesse entendimento, outras estéticas podem até existir e até serem bonitas, só que, inegavelmente, uma já foi exaltada ao topo de uma suposta cadeia por um acordo não formalizado entre uma parcela da comunidade. Dessa maneira, não existe discussão sobre a ideia, sobre o pensamento, sobre a função por trás das escolhas do design, meramente porque, qual é o motivo de haver debate se o melhor e o pior já estão definidos previamente?

Em suma, ambos os designs, o de Violet e o de Eizouken, podem ser considerados bonitos e/ou funcionais, para mim eles são, mesmo que eu prefira o segundo, ainda assim, é justamente nisso que eu quero chegar. Diferentes tipos de estética podem gerar designs funcionais, criativos e diversificados, mas tudo depende da execução. Nenhum dos caminhos é mais feio ou mais bonito ou melhor ou pior que o outro, eles são diferentes e ambos podem ser apreciados, ou não, depende de você, mas, para mim, esse entendimento deve se basear no que eles se propõem ser e não no que você gostaria que eles se propusessem.

Então, é exatamente por isso que citei a Violet, mesmo ela tendo um bom design, ela personifica também essa inundação do senso comum por um pensamento conservador quanto a arte. Nele o que conta é a complexidade de execução do desenho, o super detalhamento e se tem ou não traços “maduros”, ignorando totalmente a lógica e as ideias pros trás do design. Assim sendo, o ponto principal é, a arte não é só aquilo que alguém quer que ela seja ou o que um conjunto de pessoas aponta. Este é um pensamento artístico derivado de décadas atrás que, de alguma forma, ainda está intrinsicamente conservada no imaginário dos indivíduos, uma estranha noção de conservadorismo-contemporâneo na arte, que previamente já retém verdades absolutas, por mais que tudo isso soe contraditório. Por isso, o que deve ser perguntado é, o design de Eizouken quer dizer algo? Será que as escolhas que ele faz tem alguma função? Bom, eu penso que sim, porém, é só a minha opinião, contudo, nesse texto, afirmar que possui função e que existe, sim, beleza ali, é mais importante que detalha-lá minuciosamente. 

Lógico, esse é um debate muito amplo e outros fatores que agregam esse tema não foram aprofundados. Entre eles, considero importantes, principalmente, a padronização, que eu carinhosamente apelido de Asuna, juntamente com a sexualização e a perpetuação de um padrão de beleza único, que eu nem tão carinhosamente chamo de Meliodas e Elizabeth. Portanto, peço desculpas, mas não resisti em personificar esses problemas em personagens que eu desgosto, mesmo que eles deveras representem essas questões. Ademais, mais textos virão pela frente e futuramente a gente poderá conversar sobre isso.

Sendo assim, desejo finalizar esse texto com algo positivo. Pois, ainda que o Twitter tenha se tornado uma verdadeira zona de guerra por um dia e eu realmente esteja desacreditado de, mais uma vez, alguém se surpreender negativamente com um design vindo de um animê do Yuasa, eu genuinamente fiquei feliz em perceber que várias pessoas mergulharam em zonas profundas desse assunto, em vez de ficar somente nas camadas mais rasas. Foi um momento de rebuliço mas, ao mesmo tempo, de reflexão e melhor entendimento sobre as coisas através de um debate. Este próprio texto é basicamente fruto disso. 

Porém, essa visão pode ser apenas uma miragem causada pela bolha social que vivo, a bolha natural que cada um de nós vive e molda nossa percepção. Pois, pode ser que a reação em geral não tenha sido exatamente como a minha impressão pessoal indicou. Mas, só dessa vez, permito-me alegrar por essa talvez ilusão e a tomá-la como verdade, mesmo que porventura não seja. Uma vez que, genuinamente, esse tenha sido um bom minuto de esperança, esperança de que, talvez, no futuro, haja mais reflexão e pensamento sobre a arte. Então, é isso, espero que esse tema não tenha sido esquecido ainda, novamente digo, vejam Eizouken! Além disso, um bom animê, obrigado por lerem até aqui e até o próximo post!