O Estúdio Ghibli por si só já dispensa quaisquer introduções: seus fenomenais longa-metragens animados encantam multidões há décadas e o seu nome nos créditos já serve como indicativo de um produto de qualidade. A primeira vez que tive algum contato com alguma de suas produções, eu tinha cinco anos e via no cinema “A Viagem de Chihiro”. Fiquei completamente maravilhada com a história sensível e os traços elegantes e, ainda que não compreendesse tudo, eu associei para sempre na memória o nome Ghibli à ideia de excelência.
Com essas essas expectativas em mente, eu assisti O Conto da Princesa Kaguya (2013) em 2015, pouco depois do resultado das premiações do Oscar. Havia ficado indignada com a vitória de Operação Big Hero visto que eu tinha enormes esperanças para essa produção japonesa. Depois de assistir, no entanto, minha indignação se tornou uma fúria com a tamanha injustiça aplicada pela academia estadunidense: o filme era, afinal de contas, estonteante.
Kaguya-hime no Monogatari (“O Conto da Princesa Kaguya”) é a adaptação da lenda japonesa Taketori Monogatari (“O Conto do Cortador de Bambu”), uma das histórias mais antigas da tradição oral nipônica. É narrado como um senhor idoso em um dado dia, praticando seu ofício, encontra um bebê dentro de um bambu e cria essa criança vinda dos céus com a sua esposa. Eventualmente, ele também encontra ouro e presentes no interior dos bambus – o que ele prontamente utiliza para investir na sua filha.
Ao contrário das outras obras do estúdio, Kaguya-hime assume um estilo de animação diferente, trocando os famosos traços um pouco cartunescos e extremamente detalhados por algo mais próximo à tradição do país do Sol Nascente. Suas linhas então dessa vez adquirem uma aparência mais simples, simulando rascunhos de giz, criando significado a partir de um conto de fadas japonês, porém sem perder sua aura etérea na composição delicada das cenas.
A narrativa expande de maneira magistral os personagens da lenda: eles têm desejos e objetivos claros. Mais do que artifícios para uma moral, eles existem, vibram, respiram na película ao longo de duas hora e dezessete minutos. Seus intérpretes fazem um trabalho estupendo com suas vozes, trazendo vida a cada uma das figuras que aparecia em cena. Em especial, Aki Asakura foi brilhante na pele da personagem titular, demonstrando um ótimo alcance emocional, capaz de mostrar grande alegria como também profunda tristeza.
Isao Takahata, falecido em 2018, dirigiu as cenas com uma sensibilidade singular e bastante propósito. Diferentemente do seu colega e co-fundador do Estúdio Ghibli, Hayao Miyazaki, ele não era animador, o que torna a sua realização ainda mais fascinante. Em sua entrevista para Film4, ele disse: “Eu realmente não desenho, não sou artista, mas eu faço alguns rascunhos para a equipe seguir. Além disso, eu entendo que tipo de imagem se encaixaria melhor, e que tipo de pose os personagens assumem, o ritmo da atuação, e as expressões dos personagens. E dessa maneira eu participo grandemente em qualquer projeto. Pode ser um pouco presunçoso da minha parte, mas eu sei o que quero e como obter, então eu tenho que dirigir para mostrar ao pessoal como chegar lá”.
O Conto da Princesa Kaguya comove sem precisar apelar para recursos exagerados, construindo de maneira competente uma história sutil sobre como é preciosa a nossa breve existência e como essa deve ser aproveitada. A Princesa, em sua estadia na terra, amou, conheceu lugares, e aprendeu sobre a condição humana.
Com lágrimas em meus olhos, despedi-me de seus personagens sabendo que havia encontrado algo especial. Mais uma vez o Estúdio Ghibli havia acertado.