O mistério por trás de um corpo morto encontrado na região de Essex, o retorno de uma criatura marinha mitológica, instigou a imaginação da população local a fim de encontrar respostas sobre o verdadeiro paradeiro da atrocidade. É sobre isso e outras questões que rendem as 416 páginas do livro A Serpente de Essex.
“Londres, 1893. É com alívio e tristeza que Cora Seaborne se torna viúva. Depois da morte do marido controlador, ela se muda da metrópole para o condado de Essex com o filho Francis, um menino obsessivo e curioso, e a babá do garoto, Martha, na esperança de que a mudança de ambiente e o ar puro possam servir de refúgio para a família.
Ao se instalarem nesse novo lugar, porém, ela logo fica sabendo de boatos sobre a Serpente de Essex, uma criatura mítica que, no passado, segundo a lenda local, vagava pelos pântanos ceifando vidas, e que agora teria voltado para aterrorizar a paróquia costeira de Aldwinter. Cora, uma naturalista amadora sem paciência para superstições, se encanta pela história, convencida de que o monstro descrito pela população é, na verdade, uma espécie ainda não conhecida. Ao iniciar uma busca a partir dos rastros dessa lenda, ela é apresentada a William Ransome, o vigário de Aldwinter, um homem incrédulo e desconfiado que teme que essas invenções e fantasias distraiam as pessoas do verdadeiro caminho da fé.
Enquanto William tenta acalmar seus fiéis, ele e Cora procuram descobrir a verdade por trás do mito e, embora completamente diferentes, estabelecem uma relação intensa e surpreendente na mesma medida. A Serpente de Essex é uma celebração do amor e das várias formas pelas quais ele pode se manifestar” – Intrínsica
VERDADEIRA IDENTIDADE
Após a morte de seu esposo Michael Seaborne, Cora Seaborne percebe, na verdade, que não está de fato triste, porém aliviada. Isso se deve ao fato que por anos obrigou-se a conviver dentro de um relacionamento maquiado. Ou seja, obrigou-se a portar conforme a dama tradicional construída pela sociedade conservadora da antiga Londres, até entender que ao longo do tempo perdeu completamente sua identidade.
Inicialmente Cora é apresentada como a senhora refinada, com modos a zelar até iniciar a investigação sobre a suposta criatura marinha, em Aldwinter responsável (ou não) pelo estrago na região, destruindo vilas, aldeias, corpos desaparecidos. Então, junto com sua amiga e babá de seu filho Francis Seaborne, Martha embarcam numa jornada misteriosa e enfim veste a capa da mulher curiosa, independente e entusiasta pelos assuntos que envolvem história e geografia.
Há anos nós mulheres lutamos por nosso espaço, Sarah Perry (autora) traduz sua opinião incorporada pela protagonista Cora, que se desprendeu das obrigações de usar vestido, corpete e substituiu por calças, camisas confortáveis, adotando a aparência “masculina”. Cora representa a figura da mulher submetida a vida indesejável, onde está a mercê seja do marido ou família abusiva e, infelizmente, com poucas forças para escapar dessa situação. A morte, misticamente falando, significa transmutação, nova fase, mudanças no geral. É o que aconteceu com Cora, abandonou o papel de esposa e finalmente assumiu a paleontóloga amadora, sua verdadeira identidade.
QUEM TEM RAZÃO ?
No momento em que a dupla se encontra com o reverendo Willian Ransome logo o mistério sobre a serpente se tornou pauta principal entre seus debates. Aqui a autora coloca em jogo e, ao mesmo tempo, convida os leitores a refletirem sobre religião x ciência. De um lado, Cora acredita na existência da criatura e sendo o responsável pela catástrofe de anos atrás, por isso levanta argumentos científicos que dê credibilidade na pesquisa. Por outro lado, Willian descarta completamente essa hipótese, enquanto o povoado acredita que a retorno do monstro seria uma espécie de punição divina, contra seus pecados.
A Serpente de Essex é narrado em Londres de 1893, época que a maioria das pessoas precisavam de segurança religiosa para qualquer evento incomum que acontecesse. Fato que não mudou tanto mesmo após vários avanços tecnológicos. Isso é claramente visto durante os diálogos densos entre Willian e Cora, à medida que a batalha intelectual torna cada mais profunda.
CONCLUSÃO
De modo geral A Serpente de Essex cumpriu com a proposta inicial, clima denso, mistério, história envolvente e, sobretudo, ligar a ficção com temas atuais que estão longe de um desfecho 100% fechado. As personagens são bem desenvolvidas, a autora não mediu esforços nos detalhes e por causa disso é fácil desenhar as cenas, seus gestos, de cada situação. Portanto, a leitura vale bastante a pena.
O livro ganhou vida e a Apple TV+ sendo responsável pela exibição, com o total de 6 episódios sem contar que foi eleito o melhor livro em 2016 na Waterstones, ano quando foi lançado.
Ótima leitura!