Com os filmes Corra e Nós, Jordan Peele começou a se destacar pelos seus filmes únicos, protagonizados por personagens negros e que enfrentam um terror psicológico que se originam de situações comuns de seus cotidianos, mostrando que o verdadeiro medo está na realidade da vida humana. O que ficou para trás lembra muito esses filmes.
His House, no título original, foi escrito e dirigido por Remi Weekes e é estrelado pelos atores estreantes Wunmi Mosaku e Sope Dirisu. Bol e Rial são um casal de refugiados do Sul do Sudão. Eles fogem e pedem asilo na Inglaterra. Chegando lá, eles são obrigados a ficar em uma casa detonada até que sua situação no país fique normalizada e eles sejam oficialmente integrados no país.
Tentando se adaptar a esse novo país, Bol é quem insiste para que ele e Rial tentem se integrar com os novos costumes e pessoas que moram ao seu redor, mas a reação de todos é de relutância e até mesmo preconceito para com os dois. Ficamos sabendo que o casal perdeu uma filha enquanto fugiam da guerra, e isso marca muito os dois, que acabam tendo sua relação abalada por essa perda. Enquanto Rial tenta manter a lembrança de Nyagak viva, Bol quer seguir em frente e parece até querer esquecer. Percebemos que isso causa uma ruptura e distanciamento entre eles, e que a guerra ainda é uma lembrança muito viva na memória dos dois.
Como dito antes, a casa aonde eles passam a morar é bem precária e sentimos essa sensação de desconforto, a mesma que os personagens sentem, e vemos que algo habita a casa. Bol é atormentado por lembranças e uma presença maligna claramente reside na casa. No primeiro momento, não sabemos o que atormenta Bol. Ele começa a ver pessoas dentro das paredes da casa e alguém ou algo anda pela casa quando ele não está olhando.
Nessas cenas, a fotografia se destaca muito como uma forma eficiente de causar medo e insegurança a quem assiste. Temos Bol no primeiro plano e atrás dele, no segundo plano das cenas, essas presenças o cercando. É preciso assistir atentamente para sentir profundamente o mal que reside na casa. O diretor Remi Weekes também tem uma direção certeira, que extrai o melhor dos dois atores estreantes, que entregam uma atuação emocionante e intensa. É impossível não sentir uma grande empatia para com os dois personagens. Os atores passam muito bem a dor da guerra e o medo que os assombram, principalmente Wunmi Mosaku, suas expressões passam muito bem o que seu personagem sente.
É difícil, em um filme de terror, não cair nos clássicos clichês dos filmes do gênero, como o uso de sustos (jump scares) e monstros. Apesar de usar esses artifícios, O que ficou para trás consegue inovar e trazer esses elementos de uma forma mais real, ligada ao terror da vida real e dos sentimentos mais humanos dos personagens. O terror está na dor da guerra e nas perdas do casal. Uma cena entre Bol e Rial que destaca isso, é quando ela diz para ele que não teria porque ter medo de monstros, pois seu maior medo era a guerra.
Quando descobrimos que a filha do casal, Nyagak, era na verdade filha de outra mulher que também tentava fugir da guerra, entendemos que o que atormenta Bol é seu passado. Bol, para conseguir uma vaga para que ele e Rial fugissem da guerra, rouba a criança de uma mulher e assim os dois conseguem embarcar para fugir.
Bol então acredita que um bruxo está os perseguindo desde que eles fugiram da guerra, e queima tudo que ele e Rial tinham trazido. Mesmo assim o mal os persegue e faz uma proposta para que ele traga Nyagak de volta: Bol precisa se sacrificar e se entregar para que Nyagak tome seu lugar. Nisso, Bol aceita seus crimes, mas quando Bol está sendo tomado pelo bruxo/monstro, Rial o salva, matando o bruxo. Nisso o mal deixa a casa e os dois conseguem permanecer na Inglaterra. No final vemos através dos olhos do casal, as outras milhares de pessoas que morreram na guerra e não conseguiram fugir. Como se a memória de todos tivesse sido carregada por Rial e Bol. É uma linda cena final.